sábado, 28 de fevereiro de 2015
E SE TIVESSEM...?
"A data é 22 de dezembro de 1849. Seis horas da manhã. Neve sobre a praça. Ao fundo, o palanque armado. Um a um, vestidos de estopas, os prisioneiros vão-se postando junto ao velho muro. Os tambores, num ritmo grave e lento, acompanharam-lhes o andar. A multidão contida e curiosa observa. Os guardas preparam as armas; os prisioneiros se preparam para entregar o corpo às balas. Silêncio.
De repente, um toque de clarim. O ritual se interrompe: impassível, o auditor imperial anuncia que a pena de morte foi comutada, mercê do imperador, em prisão perpétua com trabalhos forçados na Sibéria. Os condenados choram de emoção e alegria. Antes de perder a liberdade por algum tempo que a vida sem remissão. Dentre os que agradecem pela comutação do castigo um sente com mais força a nova possibilidade de viver: Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski, o escritor."
P.S.: Se a ordem de execução não tivesse sido suspensa pelo czar Nicolai I, o mundo teria perdido simplesmente a maior obra literária que um ser humano foi capaz de escrever.
DIREITA
A direita brasileira anda cada vez mais desinibida e um dos seus pontos de partida é a afirmação de que não existe entre nós mais direita nem esquerda. Ser de esquerda durante a ditadura e logo nos anos seguintes era cult, mas atualmente tem ficado démodé, sobretudo para uma fatia significativa da elite econômica que agora se ufana abertamente do seu status. Alega que não existe direita nem esquerda, mas adota uma pauta diametralmente oposta à tradicionalmente identificada com a esquerda. Diz que não há mais direita nem esquerda, mas odeia tudo que diga com a esquerda no mundo e especialmente na América Latina: Chê Guevara, Fidel Castro, Lula, Evo Morales, Chávez, Cristina Kirchner, Mujica... Diz que não existe direita nem esquerda, mas se considera sociedade e não povo... Diz que não existe direita nem esquerda, mas aplaude os critérios tradicionais da meritocracia. Diz que não existe direita nem esquerda, mas adora um camarote e o front stage. Diz que não existe direita nem esquerda, mas vibra com a repressão policial contra os mais pobres. Diz que não existe direita nem esquerda, mas menospreza os movimentos populares. Diz que não existe direita nem esquerda, mas vive com o pé no Brasil e o coração nos Estados Unidos da América. Diz que não existe direita nem esquerda, mas faz uma opção preferencial pelos mais ricos...
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015
SEU CACÁ
Na porta do mercado, os vendedores de peixe viram, com certo ciúme, Seu Cacá passar feliz da vida com um enorme osso partido e pendurado numa embira. Não concebiam que o velhote pagasse doze cruzados num osso liso, se um bom cambo de sovela e piau custava o mesmo valor.
Preto não conteve uma provocação:
– O que o senhor vai roer nesse osso, Seu Cacá?
– Ora, você está é por fora, Preto! As pessoas só veem a carne que falta por fora, mas não se importam com o tutano que sobra por dentro. Esse osso dá um caldo que é uma beleza! Disse Seu Cacá com sua voz rouca e cansada.
Logo que chegou em casa, Seu Cacá sentiu que estava na hora de fazer as necessidades e, como era de costume, se dirigiu a sua moita por trás do monturo do Socavão, levando consigo dois sabugos de milho para evitar o infortúnio do dia anterior, quando, por descuido, apanhou uma folha de cansanção-de-fogo para limpar a bunda e teve de passar mais de uma hora de molho no rio para amenizar a queimação no ás.
Quando não era importunado pelos porcos, Seu Cacá apreciava bastante a hora de pagar o Ferreira na tranquila solidão da sua moita. Naquela manhã uma única porca apareceu, mas foi enxotada para bem longe por Seu Cacá. A danada estava quase fuçando o traseiro do velhinho quando ele se deu conta do focinho atrevido e saiu no seu encalço com um cipó comprido e a voz roufenha.
– Sai daqui, porca velha!!
Afastada a companhia inconveniente, Seu Cacá deu início aos trabalhos. Depois de alguns instantes de paz e de reflexão, o supersticioso velhote pareceu escutar uma voz sombria e cavernosa oriunda de cima da moita, que dizia:
– Cacá, oh, Cacá! Você quer enricar?!
– Cacá, oh, Cacá! Você quer enricar?! (...)
Afastada a companhia inconveniente, Seu Cacá deu início aos trabalhos. Depois de alguns instantes de paz e de reflexão, o supersticioso velhote pareceu escutar uma voz sombria e cavernosa oriunda de cima da moita, que dizia:
– Cacá, oh, Cacá! Você quer enricar?!
– Cacá, oh, Cacá! Você quer enricar?! (...)
No começo, o medo foi tamanho que Seu Cacá não ficou apenas rouco, mas inteiramente mudo, até que com dificuldade conseguiu responder:
– Sim, quero sim!
A voz, em tom solene, respondeu:
– Então venha amanhã, nesta mesma moita, que eu lhe direi o segredo!
Seu Cacá resolveu não contar para ninguém a história da voz misteriosa, nem mesmo para a sua velha. Também começou a pensar no segredo e a nutrir muitos planos. Quem sabe uma botija, um dinheiro perdido, uma dádiva qualquer do céu... O importante era ficar rico.
No dia seguinte, Seu Cacá se dirigiu ansioso à moita, no mesmo horário.
A voz misteriosa demorou muito a aparecer. Somente quando Seu Cacá, já quase sem esperança, levantava as calças, escutou-a.
– Cacá, oh, Cacá! Você quer enricar?!Seu Cacá resolveu não contar para ninguém a história da voz misteriosa, nem mesmo para a sua velha. Também começou a pensar no segredo e a nutrir muitos planos. Quem sabe uma botija, um dinheiro perdido, uma dádiva qualquer do céu... O importante era ficar rico.
No dia seguinte, Seu Cacá se dirigiu ansioso à moita, no mesmo horário.
A voz misteriosa demorou muito a aparecer. Somente quando Seu Cacá, já quase sem esperança, levantava as calças, escutou-a.
– Quero sim! Quero sim!
E a voz solene respondeu:
– Então venha amanhã, nesta mesma moita, que eu lhe direi o segredo!
Seu Cacá ficou muito contrariado. Não conseguia pensar em outra coisa. Dara como certo desvendar o segredo naquele dia.
No terceiro dia, a voz misteriosa apareceu cedo.
– Cacá, oh, Cacá! Você quer enricar?!
– Quero!
– Então venha amanhã, nesta mesma moita, que eu lhe direi o segredo!
De tão furioso, Seu Cacá pensou em não ir no dia seguinte, mas, como o sonho de riqueza ainda lhe inquietava, deu mais uma chance à voz.
No último dia, quando Seu Cacá já ia embora, triste e revoltado, a voz misteriosa, para o alívio do velhote, resolveu dar o ar da graça.
– Cacá, oh, Cacá! Você quer enricar?!
– Quero, porra! Diz logo!
– Então vai trabalhar, vagabundo!!
E a voz solene respondeu:
– Então venha amanhã, nesta mesma moita, que eu lhe direi o segredo!
Seu Cacá ficou muito contrariado. Não conseguia pensar em outra coisa. Dara como certo desvendar o segredo naquele dia.
No terceiro dia, a voz misteriosa apareceu cedo.
– Cacá, oh, Cacá! Você quer enricar?!
– Quero!
– Então venha amanhã, nesta mesma moita, que eu lhe direi o segredo!
De tão furioso, Seu Cacá pensou em não ir no dia seguinte, mas, como o sonho de riqueza ainda lhe inquietava, deu mais uma chance à voz.
No último dia, quando Seu Cacá já ia embora, triste e revoltado, a voz misteriosa, para o alívio do velhote, resolveu dar o ar da graça.
– Cacá, oh, Cacá! Você quer enricar?!
– Quero, porra! Diz logo!
– Então vai trabalhar, vagabundo!!
terça-feira, 24 de fevereiro de 2015
PESHMERGA
Não temes a morte,
Oh! flor do Oriente!
Alumbra o deserto
O sonho e o fuzil.
Manténs-te faceira
Na ingente peleja,
Oh bela guerreira
De tez juvenil!
Atena moderna,
Obá peshmerga,
Carrega consigo
Sete anjos gentis.
Ocupa com graça
O palco renhido;
Arrosta o perigo
De ímpios hostis.
Ensaias o passo
Da terra liberta;
Terás, anjo curdo,
Teu próprio país.
Eliton Meneses
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015
MOMENTO JURÍDICO
O impeachment é um instituto político-jurídico de cassação do mandato do chefe do Poder Executivo, deflagrado a partir da prática de crime de responsabilidade – de crime de responsabilidade, reitere-se.
O recall é um instituto puramente político, destinado à cassação de qualquer representante político, a partir de uma reavaliação popular, independentemente de motivação específica.
É de bom alvitre recordar que o impeachment está previsto no art. 86 da Constituição Federal, mas que o recall não existe no nosso ordenamento jurídico. Aliás, não existe nem o recall, nem o 3.º turno de eleição...
Na democracia, todos são eleitos: uns para serem situação; outros para serem oposição. Quem não aprende a ser oposição muito dificilmente chegará a ser situação...
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015
ALTOS E BAIXOS
EM ALTA
O Carnaval (do latim, carne vale: despedida da carne), festividade que antecede o jejum e a abstinência da Quaresma e que continua sendo, apesar de todos os seus contratempos, a face mais plural e apoteótica da cultura popular.
EM BAIXA
O grupo jihadista radical Estado Islâmico, que, num insulto criminoso à humanidade e à própria fé muçulmana, promove a barbárie no Oriente Médio.
EM ALTA
Os maracatus de Fortaleza, que, apesar da falta de incentivo e do público cada vez mais minguado na Av. Domingos Olímpio, resiste com graça e maestria, honrando a tradição do legítimo Carnaval da "Loira desposada do sol".
EM BAIXA
Algumas emissoras locais de rádio que, em pleno período de carnaval, mantêm sua programação quase inteiramente dedicada à música anglo-americana...
sábado, 14 de fevereiro de 2015
SECA
O aquecimento global não é mais uma mera especulação científica, mas uma evidência perceptível a olho nu, mesmo para aqueles que relutavam em acreditar no fenômeno. A Austrália, entre 2002 e 2012, padeceu uma década inteira de seca, a mais severa de sua história, que obrigou suas maiores cidades a construírem usinas de dessalinização da água do mar para suprir o abastecimento, medida extrema que, além de muito cara, é ecologicamente agressiva e, a longo prazo, potencialmente perigosa para a saúde humana. Em Yakutsk, na Sibéria, considerada a cidade mais fria do mundo, há poucas décadas, o frio chegava facilmente, no inverno, aos -60º; atualmente, não passa dos -50º.
Estamos testemunhando um extremo climático. Depois de cinco anos de estiagem no Nordeste, o quase centenário Açude da Volta sucumbiu por completo. O Angicos já agoniza e pode entrar em total colapso em breve, caso não chova. O Araras, quem diria, só possui água para mais 140 dias de seca. A previsão da Meteorologia para a próxima quadra chuvosa é bastante desanimadora. A recarga dos reservatórios em 2015, portanto, é muito pouco provável, infelizmente. O Castanhão conta somente com 20% de sua capacidade e, caso a transposição do Rio São Francisco não se concretize até o final do ano, como prometido, até mesmo Fortaleza padecerá da falta d'água.
A perfuração de poços é um mero paliativo de curto prazo. Não há como suprir a demanda regular de uma cidade sequer de médio porte apenas com poços artesianos. Precisamos de novas alternativas, com urgência. No centenário da seca de 1915, a estiagem reaparece como um fantasma no pesadelo nordestino.
domingo, 8 de fevereiro de 2015
CIRCO
A rotina da pacata cidade mudava por completo com a chegada do circo. No fim de tarde, o palhaço circulava pelas ruas, com suas pernas de pau, seguido de um magote de menino, anunciando a apresentação daquela noite.
– Hoje tem espetáculo?!
– Tem, sim, senhor!
– Um, dois, três, quatro!
– A mulher do palhaço!
– Quatro, três, dois, um!
– Ela pega qualquer um! (...)
A despeito da simpatia do palhaço, a maior atração do circo era um leão moribundo que rugia a madrugada inteira e cuja dieta, diziam os boatos, incluía gatos e cachorros comprados dos moradores locais.
Naquela noite, o circo estava lotado. Apresentou-se o palhaço, o mágico, o equilibrista, o leão moribundo, a anã odalisca, até chegar ao trapezista. Antes do número terminar, o locutor ofereceu cinquenta cruzeiros para qualquer um da plateia que tivesse coragem de se apresentar junto com o trapezista. Inicialmente ninguém se habilitou, mas, depois de muita instigação dos amigos, Mudinho resolveu se dirigir ao palco, ainda sem entender o que iria fazer.
Subiu até a plataforma, que, vista de cima, pareceu bastante alta, e, um tanto hesitante, se lançou agarrado no trapézio para o outro lado, onde o trapezista o esperava.
Com uma impulsão fraca, Mudinho não conseguiu alcançar a plataforma oposta. O trapezista, mesmo se esticando todo, não conseguiu segurar os pés do voluntário. Mudinho teve de voltar agarrado no trapézio, no afã de atingir a sua plataforma, mas, como era de esperar, não conseguiu nem tocá-la com os pés. Assim, ficou como um pêndulo de um relógio, cada vez mais distante de ambas as plataformas, até a parada completa.
O locutor, o trapezista e toda a plateia – no início sorridentes e, por fim, já impacientes – gritavam para que Mudinho largasse aquele trapézio; afinal, a rede de proteção o apararia.
– Solta! Solta! Solta!
– Solta, homem! Nós não temos a noite toda!
– Solta, rapaz! Esse cara parece que é surdo!
Em verdade, Mudinho era surdo-mudo de nascença e estava alheio a qualquer apelo sonoro. A doze metros de altura, paralisado pelo medo, tinha no trapézio a sua tábua de salvação. Estava disposto a não largá-la, até que, de repente, alguém o resgatasse. Sabia que, antes do chão, havia uma rede de proteção, mas tão coberta de remendos que já se imaginava espatifado no chão duro do picadeiro.
Tentava não olhar para baixo. A rede parecia tão distante – e tão frágil! O tempo foi passando e, não por falta de força, mas pelo suor frio que umedecia suas mãos, a resistência apavorada do Mudinho foi chegando ao fim. Deu um último aperto no trapézio escorregadio, fechou os olhos e caiu.
Quando abriu os olhos, estava deitado na rede, são e salvo. Nem se deu conta dos detalhes da queda, nem das gargalhadas da plateia. Ergueu-se ainda atônito, tentou em vão pronunciar um impropério para o locutor, que lhe oferecia o prêmio de cinquenta cruzeiros, e foi embora para casa prometendo nunca mais voltar a um circo.
Naquela noite, o circo estava lotado. Apresentou-se o palhaço, o mágico, o equilibrista, o leão moribundo, a anã odalisca, até chegar ao trapezista. Antes do número terminar, o locutor ofereceu cinquenta cruzeiros para qualquer um da plateia que tivesse coragem de se apresentar junto com o trapezista. Inicialmente ninguém se habilitou, mas, depois de muita instigação dos amigos, Mudinho resolveu se dirigir ao palco, ainda sem entender o que iria fazer.
Subiu até a plataforma, que, vista de cima, pareceu bastante alta, e, um tanto hesitante, se lançou agarrado no trapézio para o outro lado, onde o trapezista o esperava.
Com uma impulsão fraca, Mudinho não conseguiu alcançar a plataforma oposta. O trapezista, mesmo se esticando todo, não conseguiu segurar os pés do voluntário. Mudinho teve de voltar agarrado no trapézio, no afã de atingir a sua plataforma, mas, como era de esperar, não conseguiu nem tocá-la com os pés. Assim, ficou como um pêndulo de um relógio, cada vez mais distante de ambas as plataformas, até a parada completa.
O locutor, o trapezista e toda a plateia – no início sorridentes e, por fim, já impacientes – gritavam para que Mudinho largasse aquele trapézio; afinal, a rede de proteção o apararia.
– Solta! Solta! Solta!
– Solta, homem! Nós não temos a noite toda!
– Solta, rapaz! Esse cara parece que é surdo!
Em verdade, Mudinho era surdo-mudo de nascença e estava alheio a qualquer apelo sonoro. A doze metros de altura, paralisado pelo medo, tinha no trapézio a sua tábua de salvação. Estava disposto a não largá-la, até que, de repente, alguém o resgatasse. Sabia que, antes do chão, havia uma rede de proteção, mas tão coberta de remendos que já se imaginava espatifado no chão duro do picadeiro.
Tentava não olhar para baixo. A rede parecia tão distante – e tão frágil! O tempo foi passando e, não por falta de força, mas pelo suor frio que umedecia suas mãos, a resistência apavorada do Mudinho foi chegando ao fim. Deu um último aperto no trapézio escorregadio, fechou os olhos e caiu.
Quando abriu os olhos, estava deitado na rede, são e salvo. Nem se deu conta dos detalhes da queda, nem das gargalhadas da plateia. Ergueu-se ainda atônito, tentou em vão pronunciar um impropério para o locutor, que lhe oferecia o prêmio de cinquenta cruzeiros, e foi embora para casa prometendo nunca mais voltar a um circo.
sábado, 7 de fevereiro de 2015
SALAAM ALEIKUM
– "Nosso Deus e vosso Deus são um só, e a Ele estamos submetidos." (Corão, 29:46)
– Salaam Aleikum (السلام عليكم) (A paz esteja com você).
– Alaikum As-Salaam (وعليكم السلام) (E com você também).
Encontro entre São Francisco de Assis e o Sultão al-Malik al-Kamil, em 1219, perto de Damieta, Egito, entre a 4.ª e a 5.ª Cruzada.
Há quase 800 (oitocentos) anos, mas ainda muito atual.
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