sexta-feira, 30 de agosto de 2013

OCASO DA VAIDADE



Tomem a coroa ostentadores!
Desfrutem do efêmero clarão!
Depois do ocaso, depressivos,
Talvez só reste poeira no chão.
Mirando encabulada a soberba,
No desfile de intricados rituais,
Distante, a platéia do velho circo
Inda aplaude as piruetas venais.
Fatigado de deuses e santidades,
Prefiro a esses quadros surreais,
Da janela, contemplar realidades
Da trilha difícil por alguns ideais.

Eliton Meneses

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

PERÍCIA NO PROCESSO PENAL



Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado (art. 158 do Código de Processo Penal). O exame de corpo de delito é essencial, portanto, como prova da materialidade do delito que deixe vestígios, ou seja, para a demonstração da existência daquele crime que deixa sinais aparentes da sua prática.
A doutrina entende que se trata de prova imposta por lei (prova tarifada), erigida em exceção à regra da livre apreciação das provas pelo juiz criminal, de sorte que, não realizado o exame, sendo possível, deve ser reconhecida a nulidade da prova produzida em sua substituição, nos termos do art. 564, inciso III, alínea "b", do CPP e, em consequência, o acusado deve ser absolvido, com fulcro no art. 386, inciso II, do CPP (Capez, Curso, 6.ª ed., p. 263; Nucci, Manual, 6.ª ed., p. 393). 
O exame de corpo de delito é realizado por perito (oficial ou não), profissional com conhecimento técnico especializado, com olhos postos nos vestígios deixados pelo crime (art. 159, CPP). Não sendo possível a realização do exame de corpo de delito, porém, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta (art. 167, CPP).
Convém ressaltar que, sendo possível a realização do exame de corpo de delito, a mera omissão da autoridade em determiná-lo (algo bastante comum na prática) não confere aptidão à prova testemunhal ou mesmo à confissão para supri-lo, sob pena de afronta ao art. 158, CPP. 
O Superior Tribunal de Justiça possui orientação firme em prol da regra da perícia, entendendo que: "Em virtude de expressa disposição legal (art. 158 do Código de Processo Penal), os crimes que deixam vestígios exigem a produção de prova pericial, providência que somente se afasta na hipótese de terem desaparecido os sinais ou de o local ter se tornado impróprio para o trabalho dos peritos." (AgRg no REsp n.º 1.338.900/RS, 5.ª Turma, rel. Min. Jorge Mussi, DJe 1.º.08.2013). 
O Supremo Tribunal Federal, apesar de mitigar, em alguns precedentes, a nulidade decorrente da falta de perícia, também tem decidido que: "Os crimes que deixam vestígios exigem, sob pena de nulidade insanável, o exame técnico-científico do corpo de delito." (HC n.º 92.707/CE, 1.ª Turma, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 30.05.2008).
Nos crimes de que não haja vestígios e tampouco testemunhas para suprir a falta da perícia, outros elementos probatórios idôneos poderão ser utilizados na aferição da materialidade delitiva (cf. STJ, HC 135.972/SP, 5.ª Turma, rel. Min. Felix Fischer, DJe 07.12.2009).

sábado, 24 de agosto de 2013

PROVERBIOS Y CANTARES (XXIX)


Caminante, son tus huellas                    
el camino y nada más;                            
Caminante, no hay camino,                    
se hace camino al andar.                        
Al andar se hace el camino,                    
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.

Caminante no hay camino
sino estelas en la mar.

(Antonio Machado, poeta espanhol)

Caminhante, são suas pegadas
o caminho e nada mais;
Caminhante, não há caminho
O caminho se faz ao andar.
Ao andar se faz o caminho,
E ao se olhar para trás
se vê a trilha que nunca
se há de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho
mas apenas rastros pelo mar.

(Livre tradução)

terça-feira, 20 de agosto de 2013

ALTOS E BAIXOS


EM ALTA

A luta popular pelo reconhecimento de direitos historicamente sonegados. Uma afoita aventura que sobrenada as intempéries, num embate atroz contra poderosos moinhos de vento, em cujos caminhos sinuosos se dorme muitas vezes com a desilusão, para se acordar, quase sempre, com um sorriso de esperança.

EM BAIXA

A nossa conservadora justiça brasileira, muito bem remunerada pelos cofres públicos para preservar um sistema social caduco e desigual; useira e vezeira em chancelar abusos do poder econômico em detrimento das causas socioambientais que a Constituição Federal finge proteger. 

EM ALTA

A comédia Cine Holliúde, sucesso no cinema, estrelada por muitos astros da nossa típica gaiatice, falada em "cearencês" e com legendas em português. Já comparada à inovação genial de Charles Chaplin. Eita, mah! Pense num filme chêi de fulerage! 

EM BAIXA

O lauto buffet do Governo do Estado do Ceará, regado a caviar, lagosta e escargot, além de outras iguarias exóticas, caríssimas e de difícil pronúncia, ao passo que boa parte da população cearense escapa à base de arroz e ovo, graças à minguada verba do bolsa família, numa das maiores secas que a história já registrou. 

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

ARTIGO 26




Tal qual um pássaro libertino, voando pelos becos da Fortaleza da Belle Époque, a distribuir o pão da cultura como alimento para as almas esguias no deserto do obscurantismo, eis como inicia a homenagem que o cantor e compositor Ednardo dedicou, em forma de música, à Padaria Espiritual, movimento cultural surgido na capital cearense no final de século XIX, marcado pela ironia, irreverência e senso crítico, além do sincretismo literário. ("Olha o padeiro entregando o pão; De casa em casa entregando o pão"). 
Como a atrevida aventura contava com alguns poucos desafetos – sobretudo aqueles para quem a instrução do povo sempre foi algo assustador –, havia o receio de se entregar o "Pão" naquela casa e ser alvo de indecorosos desaforos... ("Menos naquela, aquela, aquela, aquela não; Pois quem se arrisca a cair no alçapão?") 
O "Pão" era o jornal da Padaria Espiritual, entregue de casa em casa pelos próprios "padeiros" – jovens escritores, pintores e músicos, reunidos num levante cultural contra a burguesia, o clero e tudo o mais que representasse a manutenção do status quo. Batendo as asas e dançando, nos passos de uma quadrilha junina (Anavantu, anavantu, anarriê), o pássaro-padeiro distribuía seu jornal, a cantarolar os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, tão cultuados pela Revolução Francesa, mas menosprezados acintosamente, na prática, pela burguesia já vitoriosa.
O "freguês" agradecia o "Pão" recebido, em francês, tão à moda na época (Merci bocu, merci bocu – Obrigado, obrigado), e o padeiro respondia, inicialmente em francês (Nê pa dê qua, nê pa dê qua – De nada, de nada), arremedando um passo de balé (padê burrê), para depois arrebatar, já em português, "Não há de que!"
O pássaro-padeiro, amante das coisas da natureza, estava sempre a procurar novas ideias para amassar como ingrediente do saboroso "Pão". ("Rua Formosa, moça bela a passear; Palmeira verde e uma lua a pratear; Um olho vivo, vivo, vivo a procurar.")
O artigo 26, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, dispõe que: "Todo ser humano tem direito à instrução." A visionária Padaria Espiritual, muito antes, já se dedicava à distribuição da cultura, especialmente a partir da valorização dos elementos regionais, nada obstante o grito de alerta ainda não tenha sido escutado pela maioria das pessoas, que preferem, ainda hoje, por desconhecimento, as coisas das culturas alheias dominantes. (Você já leu o artigo 26; Ou sabe a história da galinha pedrês; E me traduza aquele roque para o português; A ignorância é indigesta pro freguês.)
Cada pessoa deve ser livre, como o sanhaçu, pássaro rebelde das nossas matas; livre para cantar e voar pelo céu, mas sempre nas asas da educação, porque sem instrução e sem cultura se é presa fácil da manipulação do sistema impiedoso. (Você queria mesmo é ser um sanhaçu; Fazendo fiu e voando pelo azul; Mas nesse jogo lhe encaixaram, e é um loucura; Lá vem o padeiro, pão na boca é o que te cura.")

terça-feira, 13 de agosto de 2013

A CULTURA DO ENCONTRO



"L'unico modo di crescere per una persona, una famiglia, una società, l'unico modo per far progredire la vita dei popoli è la cultura dell'incontro, una cultura in cui tutti hanno qualcosa di buono da dare e tutti possono ricevere qualcosa di buono in cambio. L'altro ha sempre qualcosa da darmi, se sappiamo avvicinarci a lui con atteggiamento aperto e disponibile, senza pregiudizi. Solo così può crescere una buona intesa fra le culture e le religioni, la stima delle une per le altre senza precomprensioni gratuite e nel rispetto per i diritti di ciascuna. Oggi, o si scommette sulla cultura dell'incontro, o tutti perdono; percorrere la strada giusta rende il cammino fecondo e sicuro." (Papa Francesco)

"A única forma de crescimento de uma pessoa, família ou sociedade, a única forma de progresso dos povos é a cultura do encontro, uma cultura na qual todos têm alguma coisa boa para dar e todos podem receber alguma coisa boa em troca. O outro sempre tem alguma coisa para dar, se soubermos nos aproximar dele com a mente livre e aberta, sem prejulgamentos. Somente assim poderá haver um bom entendimento entre culturas e religiões, o apreço pelo outro sem preconceitos gratuitos e com respeito pelos direitos de cada um. Atualmente, ou se aposta na cultura do encontro, ou todos perdem; trilhar o caminho certo faz a viagem proveitosa e segura." (Papa Francisco)   

sábado, 10 de agosto de 2013

DIMAS E A MALDADE HUMANA




Dimas foi abandonado por um circo, em cima de uma carreta, enjaulado, sob um sol escaldante, às margens da BR-222, próximo à cidade de Sobral/CE. Desnutrido e desidratado, com uma corrente de ferro a sufocar-lhe o pescoço, quase cego do olho direito, com as garras dianteiras e parte dos dentes arrancados, Dimas foi encontrado pelo IBAMA, em 14 de outubro de 2008, e conduzido para o zoológico de Canindé/CE.  
Durante os dolorosos anos de circo, Dimas foi adestrado para entreter a platéia, subindo e descendo escadas, simulando uma dança. Para além da degradação física, os maus-tratos renderam-lhe um profundo trauma psicológico, que o faz imitar, ao longo de todo o dia, os movimentos repetitivos ditados pelo treinamento inclemente.
Depois de quase cinco anos no zoológico de Canindé, fisicamente em condições melhores, Dimas permanece com sua dança sem fim, demonstrando que nem o tempo foi capaz de apagar as marcas que a maldade humana imprimiram em sua alma.
Dimas é um urso pardo e, apesar do trauma severo, é dócil com os seus tratadores. Muitas pessoas acham divertido vê-lo no seu permanente movimento sincronizado, talvez sem saberem da história comovente dessa criatura cuja mente foi destroçada pela selvageria de seres que se dizem humanos.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

SALVE O COCÓ!



"Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para el combate decisivo, el de recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido." (Sabato)

terça-feira, 6 de agosto de 2013

DESENCONTROS


Nos embalos de sábado à noite, na velha Discoteca do Lalau, Riobaldo conheceu Diadorim. Escorada num canto do salão estreito, desconfiada, de camisa à moda masculina – última tendência da época –, a moça aceitou sem entusiasmo o convite para dançar.
Morena trigueira, na flor da idade, Diadorim não resistiu à cerveja que Riobaldo lhe oferecera. Um gole, dois goles, três goles... Finalmente começou a se animar. E a agravar sua repugnância pelo parceiro. 
Pensou em largá-lo no meio do salão. Não fora a promessa de novas cervejas, o teria abandonado e convidado Matilde para dançar. Estava de olho nela desde que a festa começara. Pena que um dançarino exibido estragara seu plano, agarrando Matilde antes dela. Contrariada, aceitou o pedido de Riobaldo.
No intervalo, foram ao bar em frente para tomar novas cervejas. Depois, voltaram para a música lenta. No salão escuro, tentava se esquivar das carícias de Riobaldo, da sua boca insistente, do seu abraço apertado... 
Matilde tinha ido embora de mãos dadas. A festa caminhava para o fim. Diadorim desejava mais cerveja e, sem dinheiro, não resistiu a mais um convite de Riobaldo. Iriam a Moraújo. Havia outra festa por lá. A meio caminho, porém, perdida a conta das cervejas, Riobaldo resolveu parar sua motocicleta numa moita próxima à pista. Sussurrando galanteios ao pé do ouvido de Diadorim, tentou agarrá-la apressado, mas foi repelido bruscamente. 
Estranhando a rispidez da recusa, Riobaldo quis saber o que havia com a parceira.
Depois de meio minuto de reflexão, Diadorim, enfim, respondeu:     
– Olha, camarada, eu não sou mulher para homem, não!
– Mas como assim? Qual o problema? Insistiu o já aflito Riobaldo. 
– É que, da fruta que tu gosta, rapaz, eu chupo até o caroço!

sábado, 3 de agosto de 2013

DUPLA PATERNIDADE


À luz do moderno direito de família, já é possível que na certidão de nascimento do filho figure o nome de dois pais ou de duas mães. A partir do entendimento de que a paternidade é função exercida socialmente, o vínculo socioafetivo tem prevalecido na recente jurisprudência dos Tribunais pátrios no confronto com a paternidade meramente biológica. Todavia, é possível que a paternidade socioafetiva conviva harmoniosamente com a paternidade biológica. Nesse caso, nada impede que na certidão de nascimento conste o nome dos dois pais (o socioafetivo e o biológico), além do nome da mãe.     
Numa decisão pioneira, a Justiça de Rondônia reconheceu a dupla paternidade a uma criança que havia sido registrada por seu padrasto, ciente de que não era o pai biológico. Tempos depois, a criança descobriu o seu pai biológico e passou a ter contato com ele, mantendo, porém, o vínculo afetivo e o "estado de posse de filha" com o pai socioafetivo, situação demonstrada em investigação social e psicológica realizada por equipe multiprofissional.  
Como a criança reconhecia ambos como pais, e o pai afetivo não demonstrou interesse em negar a paternidade, o nome do pai biológico foi incluído na certidão de nascimento e o nome do pai afetivo foi mantido, fazendo jus a criança ao amor em dobro e à percepção de dupla pensão alimentícia.