quinta-feira, 9 de agosto de 2012

VIDA DE REPÚBLICA I

Apareci na residência universitária numa tarde pardacenta de março de 1996. Nas costas, uma mochila com os poucos pertences; nas mãos, a guia de encaminhamento da pró-reitoria; na cabeça, alguns sonhos e muitos medos. O ano começara auspicioso, com a aprovação no vestibular, mas logo me dei conta de que não havia onde morar. Acabei na residência universitária do nº 1665 da Av. Carapinima, a três quadras da faculdade. Com 18 (dezoito) anos recém-adquiridos, cortava de modo abrupto o cordão umbilical que me prendia à família. Nunca havia morado com gente de fora. Ainda assim, estava ávido por novas experiências, malgrado algumas inquietações que me perseguiam.
O diretor sisudo e esquisito me recepcionou com cara de poucos amigos. Conseguiu por-me ainda mais embaraçado. Numa rede armada na sala, um morador antigo parecia recuperar-se ainda da farra da noite anterior. Atento à televisão, com uma jarra d'água e um copo debaixo da rede, cumprimentou-me com um lacônico "oi", num breve soslaio. A decadência da parte externa da casa agravava-se no seu interior. Percorremos os compartimentos, sem mais ninguém para dar o ar da graça; conheci o meu quarto, um cubículo nos fundos, sujo e sufocante. Depois, despedi-me do diretor e fiquei sozinho no quarto, matutando assustado sobre a nova realidade perturbadora que se abria aos meus olhos.
A primeira impressão me fez pensar em ir embora imediatamente, para não sei onde. Resisti. Não poderia proceder como menino. Devia provar que me tornara adulto. Fiquei por quase uma hora perdido em divagações, até que o diretor veio-me chamar. O jantar estava na mesa. Os demais residentes haviam chegado, desejavam conhecer o novato. Acabrunhado, cumprimentei um a um. Tive uma segunda recepção até simpática e efusiva. Deviam estar felizes com o jantar, pensei. Comi e falei pouco. Continuei assustado, mas um pouco mais aliviado depois do jantar. O companheiro de quarto seria o sujeito que encontrei deitado de ressaca na rede, que, já mais sóbrio, conseguiu  mitigar a primeira impressão antipática. Além disso, tranquilizou-me, somente usaria o quarto para trocar a roupa, o restante do dia passaria deitado na rede, recuperando-se da noitada anterior. Os  outros, mais solícitos, puseram-se à disposição e me deram a esperança de que seria possível sobreviver em meio àquele aparente caos.
Desfiz a mochila resolvido a enfrentar os meus medos, engolindo saliva pela goela apertada, sem imaginar as muitas emoções que me reservariam os próximos quatro anos de "república".

3 comentários:

Midas disse...

Parabens imortal. Só quem viveu ou no mínimo testemunhou o que é viver em residências (repúblicas de estudantes) pode se dizer doutor na escola da vida. E quando estas unidades coletivas são partes de um campus universitário da rede federal este diploma é ainda mais valioso. Tenho dito. E sempre!!!

BLOG COREAUSIARÁ disse...

Texto enxuto! Muito bom!

Anônimo disse...

Maravilhoso texto! aquela república viveu grandes embates que nos forjaram homens, fortes paras lutas reais da vida, sem jamais perdemos a leveza d'alma e o encanto poético pela certeza que o melhor ainda nascerá!

Um abraço fraterno!