quinta-feira, 23 de novembro de 2017

terça-feira, 14 de novembro de 2017

L


Nós mudamos aos poucos com os anos;
Muda o sol quando chega a primavera;
Chega o tempo que finda a longa espera;
Vão-se as marcas de tristes desenganos.

De repente começam novos planos;
A semente que morre e prolifera
Traz nas flores febris da nova era
Os espinhos sutis de outros danos.

Somos água corrente de um rio;
Uma chama fugaz em noite escura;
A mudança que vem em meio à dor.

Somos folha que voa no vazio;
O sorriso depois da amargura
À procura da foz do puro amor.

Eliton Meneses

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

XLIX


Há quem busque o sentido desta vida;
Uma causa que explique a existência;
A razão para além da contingência;
Um senhor que ordene esta partida.

Um profeta falou de uma saída,
Da verdade por trás da aparência,
Da resposta pedante da ciência
À pergunta por vezes esquecida.  

Um protesta, na crise, não ser nada;
Outro fala, com náusea, no absurdo,
Como amargo profano sem noção.

Somos nós que fazemos a estrada;
Uma curva por fora do chafurdo;
Somos todos um ser em construção.

Eliton Meneses

domingo, 12 de novembro de 2017

XLVIII

                                                      Para o Rio Coreaú

O rio dobra a curva da barragem;
Passou faz pouco o velho juazeiro;
Cantou no poste o alegre bigodeiro;
Chegou sem pressa após a estiagem.

O verde toma conta da paisagem;
As águas correm em pleno fevereiro;
Ao longe soa o aboio do vaqueiro;
Uma canoa alcança a outra margem.

Nas pedras, fala alto a lavadeira;
Outro menino sobe a mutambeira;
A cobra-grande espreita o Socavão.

A Ponte Velha jaz em meio ao barro;
A densa moita do Poço do Carro
Esconde um bem atento gavião.

Eliton Meneses

sábado, 11 de novembro de 2017

XLVII

                                                              Para João Pedro

Meu filho, na vida, procures o belo;
O belo que dorme no fraco e no triste;
A imensa beleza em tudo que existe;
A força que emana de um ato singelo. 

Encontres do nada um fausto castelo;
Aquele que sonha ainda resiste;
Sonhei tanta coisa enquanto dormiste;
O bem sempre vence no fim do duelo.

A arte sublima as coisas da vida;
Talvez a chegada está na partida;
Às vezes no raso está o profundo.

É tido por louco aquele que ama;
A noite é escura mas tem uma chama,
Porque 'a beleza salvará o mundo'.

Eliton Meneses

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

XLVI


Ninguém ao certo sabe quem eu sou;
Quais dores sinto, quem deveras amo;
De onde eu vim, pra onde ainda vou;
Se eu existo, a quem eu tanto chamo.

Nem eu tampouco sei quem me sonhou;
Quantas vitórias tem quem eu difamo;
Por onde encontro o tempo que passou;
Não quero nada e ainda assim reclamo.

Há tantos corpos frios, sem afago;
A noite é longa e a fera nunca dorme;
Quisera ter o mundo sobre os ombros.

A luz costuma vir depois do estrago;
O vento varre o mal, sempre disforme;
O novo surge aos poucos dos escombros.

Eliton Meneses

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

XLV


Apagou-se o seu último cigarro;
Nove meses de enleio e de ruína;
Nem a água sobrou da cajuína;
Antes mesmo do beijo veio o escarro.

De manhã já não toca o som do carro;
Pelo corpo não corre a endorfina;
Outra vez foi envolto na rotina;
O que era uma flor, agora é barro.

Quando vem atrelado ao puro amor
Os contornos cruéis da fera dor,
É difícil escapar aos vendavais.

Mesmo assim não ficou nenhuma mágoa,
A despeito dos olhos rasos d'água;
Nunca pode dizer-se nunca mais.

Eliton Meneses

sábado, 4 de novembro de 2017

XLIV

                                                                                                       Bhagavad Gîta

Todos formam no campo de batalha
Os dois lados diversos dessa guerra;
As estrelas do céu miraram a terra,
Quando Arjuna expressou a sua falha. 

Krishna disse: "Ao dever não se atalha.
Um guerreiro à matéria não se aferra;
Quem enfrenta o combate nunca erra,
Mesmo quando o inimigo muito valha."

Tens no corpo uma alma imperecível;
Teu apego é um monstro irremissível;
Nunca esperes os frutos da ação.

Os valores eternos são Pandavas;
Inimigos internos são Kauravas;
Sem coragem não tens libertação.

Eliton Meneses

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

XLIII


Cada qual vai cumprindo o seu papel
No teatro dantesco desta vida;
Tanta gente que prega desvalida
Vai tentando debalde ser fiel.

Gira o mundo que nem um carrossel;
Uns que fogem no meio da partida;
Outros deixam exposta uma ferida;
Quase todos desertam do quartel.

Há quem sinta da gente o seu perfume;
Há quem pensa que não será estrume;
Tantos pensam somente em seu anel.

Muitas vezes ensaiam uma aventura;
Correm léguas em crise de loucura;
Todos sentem na boca o amargo fel.

Eliton Meneses