quarta-feira, 30 de agosto de 2017

MUNICÍPIOS MAIS POPULOSOS DO CEARÁ


Fortaleza – 2.627.482
Caucaia – 362.223
Juazeiro do Norte – 270.383
Maracanaú – 224.804
Sobral – 205.529
Crato – 130.604
Itapipoca – 127.465
Maranguape – 126.486
Iguatu – 102.614
Quixadá – 86.605
Pacatuba – 82.824
Aquiraz – 79.128
Quixeramobim – 78.658
Canindé – 77.514
Russas – 76.475
Tianguá – 74.719
Crateús – 74.426
Aracati – 73.629
Cascavel – 71.079
Pacajus – 70.911
Icó – 67.486
Horizonte – 65.928
Camocim – 62.985
Acaraú – 62.199
Morada Nova – 61.548

Fonte: IBGE. Estimativa 2017

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

AMOR


Já faz mais de vinte e um anos. Era terça-feira de Carnaval do distante ano de 1996. O boné azul denunciava uma careca recém-aprovada no vestibular. Era hora de comemorar, sair da caverna dos estudos e ficar com alguém, pela primeira vez. Acabava de fazer 18 anos e estava em Coreaú para o Carnaval. Zé Mauro e Evânio estavam acompanhados das suas namoradas. Fomos à quadra em frente à casa do Zé Baú, onde havia um som. Fiquei segurando vela até os 15 minutos finais da festa. Quando as esperanças pareciam perdidas, eu a vi passar. Uma menina encantadora que me fez brilhar os olhos e o coração dar um pulo. Pensei imediatamente: – É ela! Nunca a tinha visto em Coreaú. Talvez fosse de fora. Tomei coragem e a convidei para dançar. Para minha surpresa, ela aceitou. Saímos pelo salão; eu, em estado de graça. Perguntei alguma coisa sem sentido – a música estava alta, talvez ela nem tenha ouvido – e ela respondeu algo que também não entendi. Depois de dez minutos, que voaram na velocidade de um segundo, vieram chamá-la. As amigas queriam ir embora. Assim, tivemos que nos despedir, contrariados, sem que eu soubesse nada sobre ela. Em seguida, também fui embora. Nada mais me interessava naquela festa. Antes, perguntei à Rita quem era aquela menina. Ela não soube responder. No dia seguinte, voltei para Fortaleza, obviamente, sem parar de pensar nela. 
No Sábado de Aleluia, vi quando ela entrou na igreja lotada. Fiquei na porta mais próxima. Não dava para alcançá-la. Era preciso esperar o fim da missa comprida. Muitas velas acesas, um sermão que não tinha fim. Estava ansioso. O que iria dizer para ela? Será que ela viria por esta porta? Por alguns momentos a perdi de vista. Será que ela se recordaria de mim? A missa terminou e me preparei para a abordá-la. Quando ela passou com a amiga diante de mim, dirigi-me sem jeito para saldá-la, perguntei se ela ainda lembrava de mim e ela, com um sorriso reticente, disse um tímido sim e seguiu logo em seguida a amiga que já ia alguns passos adiante. Fiquei inconsolável. Deixei ela escorrer pelos dedos da mão. E agora? No domingo ainda andei à toa pela cidade para ver se a encontrava, mas foi em vão. Na segunda-feira voltei para Fortaleza.  
Apesar desse contratempo, não conseguia tirá-la da cabeça. Não era possível. Nas férias de julho, fui novamente a Coreaú tentar encontrá-la. Continuava sem saber nada sobre ela, nem nome, nem endereço, nada... Foram trinta dias de investigação minuciosa. Ninguém sabia nada sobre a menina linda que encontrei na quadra. Nenhuma pista, nenhuma luz naquele labirinto. Parecia loucura. Era a noite do último dias das férias e o primo não veio me chamar para sair. Pensei em ficar em casa, mas às oito horas algo me disse: tente outra vez. Saí sozinho pela rua e, logo que dobrei a esquina, a vi vindo de bicicleta em minha direção. Fiquei na frente e ela parou. Falei: – Passei as férias toda lhe procurando. E ela respondeu, com um sorriso: – Foi?! Fomos caminhando até a praça da rodoviária e, em duas horas de conversa, finalmente soubemos o nome um do outro. Uma pena tê-la encontrado somente no último dia das férias. Fui deixá-la na sua casa. Enfim, descobri onde ela morava. No dia seguinte fui embora com uma cratera de saudade no peito. Ao menos estava próxima a festa da padroeira em setembro.
Passei um mês e meio de saudade. Tentei manter a rotina de estudo, apesar de tudo, apesar de estar perdidamente apaixonado, longe da pessoa amada, contando os dias para reencontrá-la. Cheguei em Coreaú num final de tarde, instantes depois de faltar energia na cidade. A noite veio, mas a energia não. Não podia esperar mais um dia para revê-la. Atravessei a cidade no escuro mesmo. Cheguei no portão. Bati palmas. Uma jovem se aproximou com uma lanterna na mão e perguntei se a Auri estava. Era uma irmã dela que foi chamá-la. Sob a luz de uma vela, sentamos para conversar. Pensei que ela fosse me abraçar, dar um beijo, sei lá... Esperei uma recepção calorosa e me frustrei. Fantasiei demais o reencontro. Ela estava fria, distante, lacônica... Fiquei espantado. Como em um mês mudara tanto? Devia estar gostando de outro. Perguntei se havia algum problema. Ela disse que não, aquele era apenas o jeito dela. Não insisti. Despedi-me e fui embora. Caminhei desolado no escuro da noite coreauense, que não era maior do que o escuro da minha noite interior. Não era ela. O meu coração havia se enganado. Apenas um estava apaixonado. Era preciso esquecê-la. Estava acabado. Acabado o que nem havia começado.
No dia seguinte, sem nenhuma disposição, saí com o primo para dar uma volta na rua. A missa havia terminado e muita gente andava pelas ruas. Inesperadamente, ela apareceu com duas amigas. Ela estava linda, mais linda do que nunca. Passei direto por ela, fingindo que não a havia notado. Depois de uns dez metros, não me contive e dei uma espiada para trás. Ela estava de braços abertos, como quem diz: – Aonde você pensa que vai? Voltei, tentando bancar o difícil, e perguntei: – Você está esperando por quem? E ela respondeu: – Por você, desde o Carnaval. Em seguida, ela dispensou as duas amigas, eu dispensei o primo, e, sozinhos, fui logo perguntando, sem arrodeio: – Você quer ser minha namorada? E ela respondeu: – Quero sim.        

P.S.: Naquele Carnaval, a Auri tinha 16 anos, hoje ela está completando 38. Ela foi minha primeira namorada; eu, o primeiro namorado dela. Namoramos quase 5 anos e estamos casados há mais de 16. Não era loucura. Era amor à primeira vista. A Auri é tudo aquilo que eu imaginava e ainda muito mais. Parabéns, minha namorada! Você é a metade mais doce e mais bela da nossa laranja. O João Pedro e eu te amamos muito!

terça-feira, 22 de agosto de 2017

REENCONTRO DE ENEIAS E DIDO


Per sidera iuro,
per superos, et si qua fides tellure sub ima est,
invitus, regina, tuo de litore cessi.


"Não longe daqui se mostram uns campos por toda parte
– Os Campos das Lágrimas, assim os chamam por este nome.
Aqui, aqueles que o duro amor matou com cruel veneno,
As veredas secretas escondem e ocultam-se em volta de uma floresta de mirtos;
Os cuidados não deixam nem a própria morte.
Que mostra as feridas do cruel filho,
E Evadne e Pasífae, Laodamia vai como companheira destas.
Ceneu, outrora mancebo e agora mulher, é restituído pelo destino à antiga forma.
Entre estas andava errante na grande floresta a Fenícia Dido,
recente da ferida; logo que o herói troiano parou junto dela e a
conheceu por uma sombra escura, como quem vê ou julga ter visto a lua surgir
por entre nuvens no princípio do mês, derramou lágrimas e falou-lhe com um doce amor:
Ó infeliz Dido, pois uma verdade suspeita me assaltava
de que tu te tinhas extinguido, acabando a existência com o ferro!
Ai! Eu para ti fui a causa da morte! Juro, ó rainha, pelas estrelas
E pelos deuses do céu e pela fé, se alguma existe na profundezas da terra,
que foi contrariado que me retirei do seu litoral.
Mas os mandados dos deuses que me obrigam agora a ir por estas sombras,
Pelos lugares incultos, de aspecto imundo, e por esta noite profunda
me obrigam com as suas ordens; nem eu pude crer
que eu te podia causar uma tão grande dor com a minha retirada.
Para o passo, e não te retires da minha vista.
De quem foges? É esta a última vez que te falo com autorização do destino."

Eneida. Virgílio. Livro Livro VI

Nec procul hinc partem fusi monstrantur in omnem
lugentes campi: sic illos nomine dicunt.
Hic, quos durus amor crudeli tabe peredit,
secreti celant calles et myrtea circum
silva tegit; curae non ipsa in morte relinquunt.

His Phaedram Procrimque locis, maestamque Eriphylen
crudelis nati monstrantem volnera, cernit,
Evadnenque et Pasiphaen; his Laodamia
it comes, et iuvenis quondam, nunc femina, Caeneus,
rursus et in veterem fato revoluta figuram.
Inter quas Phoenissa recens a volnere Dido

errabat silva in magna; quam Troius heros
ut primum iuxta stetit adgnovitque per umbras
obscuram, qualem primo qui surgere mense
aut videt, aut vidisse putat per nubila lunam,
demisit lacrimas, dulcique adfatus amore est:

Infelix Dido, verus mihi nuntius ergo
venerat exstinctam, ferroque extrema secutam?
Funeris heu tibi causa fui? Per sidera iuro,
per superos, et si qua fides tellure sub ima est,
invitus, regina, tuo de litore cessi.

Sed me iussa deum, quae nunc has ire per umbras,
per loca senta situ cogunt noctemque profundam,
imperiis egere suis; nec credere quivi
hunc tantum tibi me discessu ferre dolorem.
Siste gradum, teque aspectu ne subtrahe nostro.
Quem fugis? Extremum fato, quod te adloquor, hoc est.'

Eneida. Virgílio. Livro VI

domingo, 20 de agosto de 2017

SONETO XXX


São tantos os dilemas deste mundo;
Tão fáceis as estradas tortuosas;
Perdemo-nos das retas luminosas
No rápido passar de um segundo.

Seguimos cada canto vagabundo!
Sereias muito pouco virtuosas;
Deixamos fenecer as nossas rosas,
Atrás de um fantasma moribundo.

À míngua de firmeza em nossa vida,
Corremos para os braços do perigo,
Reféns das nossas próprias tentações.

Devemos recordar em cada lida:
Ainda que tivermos sem abrigo,
De nunca descobrir os corações.

Eliton Meneses

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

SONETO XXIX


O eterno se achegou com ironia,
Me deu o amargo féu e a doce cana;
Levou-me inerte à porta do nirvana,
Depois partiu qual mera fantasia.

Senti a mais perfeita sintonia;
O vento que arrebata uma cabana;
Tentei seguir contrário à caravana,
Fiquei sem luz no sol do meio-dia.

Eu vi no alto céu o abismo infindo;
No mar revolto, a barca destroçada
Do velho pescador de alma humana.

O símbolo sagrado foi bem-vindo,
Pois quase aquela força disfarçada
Tornou-se do meu peito uma tirana. 

Eliton Meneses

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

SAUDADE


Não tenho verdade;
Prefiro não tê-la.
Deus tenha piedade,
Por que fui querê-la?
Chegou sem maldade,
Passei para vê-la.
Não era amizade,
Inútil contê-la.
Fiquei nesta idade
A ouvir estrela.
Me chamo saudade,
Depois de perdê-la.

Eliton Meneses 

domingo, 13 de agosto de 2017

SONETO XXVIII


Tenho rezado muito mas em vão;
The black bird veio sem pedido;
Assoviou-me coisas sem sentido,
Aboletado triste em meu portão.

As linhas tortas seguem pela mão,
Escorrem pelo leito bem comprido,
Deságuam neste coração partido,
Que sofre atordoado feito um cão.

Pensei que havia ainda esperança;
Em meio a tal procela, desvalido; 
The raven tão somente disse não. 

Porém, ainda há luz em nossa andança; 
Quem sabe mais um conto proibido
Dos muitos livros feitos neste chão. 

Eliton Meneses

terça-feira, 1 de agosto de 2017

AS CALÇADAS


"A calçada ideal é aquela que oferece condições de um caminhar seguro e confortável, proporcionado pela escolha de pisos adequados, ausência de obstáculos, sem degraus entre os terrenos, com o mobiliário urbano e a vegetação dispostos de forma a não atrapalhar o pedestre."

"toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado" (Declaração Universal dos Diretos Humanos)

Há muitos anos, fugindo da situação política incerta do Brasil, após o fiasco da eleição de Fernando Collor, fui-me refugiar no país irmão – Portugal – tendo lá vivido os melhores anos da minha vida. E foi mesmo lá que aprendi o verdadeiro significado da palavra “calçada”, pois para os lusitanos trata-se de uma obra de arte, artesanal, que consiste na aposição meticulosa de pedras polidas e justapostas sobre os passeios para lhes dar uma feição mais nobre e senhorial. Pois bem. No tempo em que nós brasileiros mantínhamos certa proximidade da língua-mãe, quando então denominávamos por cá de passeios os espaços por onde as pessoas trafegavam, limitados por um batente que os separava das ruas e vias pelas quais transitavam os carros e os animais, também adotamos o costume de adorná-los com pedras representando desenhos e formatos harmoniosos, tornando-os calçadas, como suas similares portuguesas. Hoje, na gíria do português falado no Brasil, chamam-se calçadões.
Na nossa cidade, no saudoso final do século XIX, o passeio mais famoso, para onde convergiam as pessoas nos fins de semana, para se colocarem à mostra, lançando as modas no vestir trazidas da Europa, chamava-se de público, hoje transmudado numa bela praça, com largas alamedas, e frondosas árvores, e reproduções de estátuas gregas clássicas, e um elegante quiosque ao centro, o qual prestava-se para receber as pessoas, no decorrer do dia, para um convescote ou para saborearem bolos, doces, geléias, sorvetes e sucos expostos em uma pequena montra; à noite, depois que partiam as famílias, acolhia os dândis, os janotas cheios de maneirismos e as cortesãs, para noitadas regadas a abundantes doses de absinto. A cidade, então alumiada por lampiões, revestia-se de singelo encanto provincial. Os coches e as carroças jamais estacionavam sobre os passeios.
Nos tempos atuais, a cidade não possui mais a graça dos tempos passados. Conforme afirmou certo pesquisador, já fomos a segunda cidade mais bonita do mundo e só perdíamos para a cidade de Tour na França (não ratifico a veracidade da informação). Mantivemos, no entanto, o ar de província, que se agrava pela arrogância, pelo egoísmo desmedido e pela absoluta falta de educação, que o fortalezense faz questão de ostentar com pedantismo e falso ar de superioridade. Nossas calçadas não mais servem para que os transeuntes caminhem por elas confortavelmente, visto que estão abarrotadas de carros estacionados, motos atravessadas, entulhos e todo tipo de sujidades, além de serem mal pavimentadas, forçando as pessoas a delas apearem e se lançarem às ruas também repletas de carros e motos que se deslocam com precipitação e velocidade perigosas.
De largas que eram, foram encolhidas e transformadas em uma nesga por vezes quase imperceptível, premida junto às paredes das edificações, consentindo a passagem de uma pessoa apenas. Em alguns trechos, os carros maiores, além de ocuparem toda a calçada, ainda encostam-se aos muros, bloqueando o pequeno espaço por onde o pedestre haveria de passar, obrigando-o a caminhar pela pista de rolamento destinada aos veículos. Ontem, como me vi premido a descer da calçada e caminhar pelo asfalto, porque não tinha espaço para eu andar dentre os carros estacionados, tive que assistir a um verdadeiro espetáculo de buzinadas que um motorista mais estúpido resolveu me proporcionar. Absurdo! O divulgado espírito acolhedor do cearense, sobretudo no que respeita ao povo da capital, é apenas quimera!
Faço, reiteradamente, tais críticas e um opositor resolveu confrontar-me, para dizer que os motoristas não podem ser privados do direito de estacionar seus carros ou suas motos. Respondi que ele estava certo, mas ressalvei que quanto ao direito de estacionar não lhe é lícito fazê-lo em qualquer lugar, em detrimento do direito das pessoas de poderem-se locomover com segurança e confiabilidade. As calçadas nunca foram destinadas a estacionamento de qualquer tipo de veículo ou condução, mas existem, desde há muito, para o tráfego de pessoas. Se permitirmos que os carros ocupem as ruas e as calçadas, por onde andarão os pedestres? Se não existem lugares destinados ao estacionamento dos veículos, que se proteste perante o Poder Público para que os construa (o problema é que se existirem tais estacionamentos públicos, eles deverão cobrar e a mor parte dos que possuem carros não querem pagar pela utilização de estacionamentos); o que é inadmissível é que se retire dos particulares a liberdade de ir e vir sem atropelos ou perigo à saúde. É dever do Estado zelar pela liberdade de locomoção de todos os cidadãos, conforme se lê na Constituição Brasileira. Afinal, sabe-se, os seres humanos são bem mais importantes que as máquinas. É de lembrar-se que todo motorista, em algum momento, terá de descer do seu carro e, assim, transformar-se em pedestre e, por isso, vai precisar atravessar ruas, vai precisar deslocar-se pelas calçadas, vai precisar transitar como qualquer outro ser humano foi preparado para fazer. Não precisamos ser um povo sem noção da realidade!
Existem, além disso, os que se postam à espera de transportes coletivos, os quais se aglomeram ao longo das calçadas e sequer se afastam para que os que desejam passar possam fazê-lo sem precisarem esgueirar-se numa dança quase macabra, para poderem caminhar sem embaraços. Caso alguém que porte muletas ou se locomova sobre uma cadeira de rodas, ou que conduza uma criança, ou esteja a amparar um idoso ou pessoa com certas necessidades especiais pretenda passar haverá de se expor ao risco de disputar espaço dentre os veículos em movimento na rua, em flagrante desrespeito às suas integridades físicas. As pessoas que caminham em grupo de três ou mais, de igual modo, juntam-se lado a lado, impedindo que quem lhes venha atrás possa desvencilhar-se e seguir seu caminho. E mais: ficam incomodadas se quem tiver pressa pedir licença ou demonstrar que quer ultrapassá-las; tentam atrapalhar a todo custo, ou não se afastando para permitir a passagem, ou mantendo-se num passo lento e demorado para retardar o apressado. Eis a hospitalidade cearense!
Há que se falar, ainda, dos patinadores, skatistas e ciclistas que em determinadas zonas da cidade ocupam boa parte dos espaços das calçadas pondo em risco a segurança de quem por elas caminha. Por vezes, parece que surgem de repente, como se viessem de algum lugar incerto e remoto, o que assusta e desestabiliza a concentração e o equilíbrio dos transeuntes. Uma querida amiga acaba de relatar um acidente que sofreu em conseqüência da imprudência de um desses skatistas, o qual perdendo o controle do brinquedo, quase a fez despencar de uma calçada alta, com uma criança nos braços, por ter pisado em falso sobre o indigitado objeto que lhe chegou pela retaguarda sem que ela esperasse ou percebesse. A mãe do adolescente autor do delito, achou a cena engraçada e divertiu-se à farta com a peraltice do filho adolescente. Que gracinha, como costumava dizer uma falecida apresentadora de televisão!
Tenho que destacar, da mesma forma, os comerciantes que instalam seu comércio nas calçadas, espalhando mesas, bancos, carrocinhas de lanches, fogareiros de churrascos etc. Certa feita, deparando-me com tal situação, pedi ao dono do pequeno bar que afastasse seus objetos para que eu pudesse passar (até porque havia uma bicicleta estacionada sobre a calçada que obstruía minha passagem) e ele me respondeu que eu se quisesse passar que andasse pela pista dos carros, porque aquele era “o comércio dele”. Estávamos na avenida Santos Dumont e eu tive que sujeitar-me a isso, malgrado o perigo de ser colhido por algum veículo em disparada. No mesmo dia, entretanto, denunciei-o ao órgão competente e, no dia seguinte, ele já havia recolhido a mobília para o interior do bar e estacionado sua bicicleta em lugar menos inconveniente para os transeuntes. De outra vez, vi um outro comerciante afirmar, quando alguém reclamou pela calçada ocupada, que ele “era um pai de família” e que “tirava dali seu sustento”. Fiquei pensando se os outros pais de família que por ali passavam também não tinham direito à sobrevivência, porquanto eram obrigados a se exporem ao risco de serem atropelados...Onde será que aprendemos que somos os titulares de todos os direitos e os demais são submetidos apenas às obrigações?
Por fim, e por mais risível que pareça, há os famosos atletas de fim de semana, que em seus exercícios físicos e caminhadas nas calçadas em volta das praças, dos estádios ou ao longo da orla marítima, parecem aviltados quando alguém, em simples deslocamento de uma parte a outra da cidade, pisa em seus “domínios”. Lançam então, prontamente, olhares reprovadores ou críticos como se somente os que estão praticando exercícios físicos pudessem transitar por aqueles locais sem terceiros para incomodar tão saudáveis práticas. Ninguém merece, como se diz no pitoresco linguajar dos mais jovens!
Para arrematar, deixo como reflexão: por que precisamos de uma lei para regular a ocupação das calçadas, de fiscalização para verificar o cumprimento dessa mesma lei, da imposição de multa por eventual descumprimento dessa norma, de atritos com os demais, se sabemos que estamos agindo errado e em detrimento dos outros cidadãos que também pagam seus impostos e têm direito de usufruir do espaço público como nós? Por que perdemos a capacidade de nos envergonhar por tais atitudes e por não termos a humildade de reconhecer que estamos errados quando avançamos sobre o espaço dos outros? Por que deixamos de reconhecer que a nossa liberdade termina onde começa a do outro? Por que recriminamos o direito dos outros de se indignarem com as nossas falhas, como se fôssemos perfeitos?
Penso, por vezes, que eu deva repetir como o grande Fernando Pessoa:
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Francisco GOMES