quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

CADEIRA DE BALANÇO


Louro herdara do pai o dom de consertar cadeira. Depois da experiência como aprendiz, resolveu dar conta sozinho do negócio. A sua primeira encomenda veio de longe, da Cohab, do outro lado da rua. Eram quatro cadeiras de balanço bem maltratadas. Além da pintura e da soldagem do esqueleto, o macarrão precisava ser todo mudado, cada cadeira com uma cor diferente. 
O artista dedicou toda sua semana àquele trabalho. Era o seu primeiro trabalho próprio. Precisava caprichar. Provar que ajeitava cadeira igual ao pai. Durante todo o dia, até altas horas da noite, Louro pintava, soldava, enrolava macarrão... Se o macarrão não estava bem enrolado, desfazia e começava tudo de novo.
Depois de uma semana de inteira dedicação, deu por pronto o serviço. As cadeiras estavam perfeitas. Novinhas em folha. Ficou certo de que a freguesa ficaria boquiaberta. Decerto iria fazer-lhe elogios e pagar uma boa quantia.
Pensou em cobrar cem cruzeiros. Era um valor justo pela mão de obra e pelo material empregado. Mas resolveu não estabelecer valor. Ficava sem jeito em cobrar e, de todo modo, estava convicto de que a cliente não hesitaria em pagar menos de duzentos cruzeiros, além da gorjeta dos carregadores.
Louro convidou dois meninos para ajudá-lo a levar as cadeiras até a dona e, no caminho, foi-lhes explicando com entusiasmo todo o processo artístico que empregou na restauração das cadeiras. 
– Não é me gabando, não, mas ficou ótimo o serviço!
– Ficou mesmo, oh! Disseram os meninos. 
Quando chegaram ao destino, o artista bateu na porta, a freguesa apareceu com a cara amarrada, pediu que deixassem as cadeiras na sala, sem nenhum elogio, e perguntou friamente:
– Quanto é seu serviço, moço?
Louro, visivelmente desconsertado, pensou em pedir os cem cruzeiros; logo em seguida, pensou em cento e cinquenta, duzentos... Com receio, acabou dizendo:
– Pague o que a senhora achar que eu mereço...
A freguesa virou-lhe as costas, embrenhou na camarinha e logo voltou com duas cédulas na mão. Louro recebeu-as nervoso e, sem atentar no valor recebido, saiu rápido, entre contente e curioso.
– Boa tarde, senhora!
Dez passos adiante, já na rua, Louro estacou, pálido, e mostrou as notas para os meninos. 
– Olha só o que essa rapariga pagou! Vinte cruzeiros! Isso não paga nem o macarrão! Arre! Dá vontade de voltar lá e dar essa mixaria de esmola pra ela... Diabo miserável!
A despeito das lamentações e das ameaças, a caminhada prosseguiu, até que, chegando em casa, mais sereno, Louro se despediu dos meninos e, agradecendo a companhia e o serviço, deu a cada um dez cruzeiros.

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