sexta-feira, 25 de abril de 2014

VÁRZEA DA VOLTA



Quem avista o açude Várzea da Volta quase seco, depois de quatro anos seguidos de estiagem, talvez custe a acreditar na grandeza normal desse que é um dos mais antigos açudes do Brasil. 
Grande em água e em história. Zé Canoa, pescador experiente da Volta, quase todo mês perdia duas redes de pesca para gatunos que agiam nas madrugadas de lua nova. Zé, absolutamente mouco, não era páreo para os larápios atrevidos. Sentado na beira d'água, vigiava toda a noite suas redes armadas, com olhos alertas ao menor movimento. Normalmente, sua presença inibia, mesmo na penumbra, a aproximação dos amigos do alheio. Nas noites escuras, porém, a surdez não lhe permitia flagrar a rapinagem, mesmo aquelas ocorridas a poucos palmos do seu nariz. 
– Se o troço desses ouvidos prestassem, seria diferente! Pensava consigo.
Certo dia, teve uma ideia genial. Na noite escura, armou suas travessas, sentou-se na beira d'água, escorado num grande caçuá, e, erguendo um pouco a cabeça, gritou a plenos pulmões:    
– Ei, rapaz! 
Não havia vivalma por perto. E mesmo que houvesse, Zé não conseguiria avistá-la no enorme breu. Não podendo contar nem com a visão, nem com a audição na defesa do seu patrimônio, Zé optou por um grito de alerta preventivo, que repetida a cada quarto de hora. 
– Ei, rapaz!
O plano saiu inicialmente como o esperado. Sempre que um pescador desonesto se aproximava com más intenções das redes do Zé, batia em retirada ao ouvi-lo gritar:
– Ei, rapaz!
Durante quase um ano, Zé Canoa não teve uma única rede furtada. Depois, começou a dar pela falta de uma rede num mês, duas noutro, até que a roubalheira voltou praticamente à situação anterior ao plano genial. Os gatunos perceberam que os gritos do Zé eram mera trapaça e, nas noites escuras, voltaram a subtrair-lhe as redes, zombando até do seu ecoar inútil.  
O grito de Zé Canoa caiu em tal descrédito que, em certa noite, Chico Noca ensacava despreocupado uma rede dele numa distância bastante próxima à beira do açude. Zé gritou pela quarta vez na noite:
– Ei, rapaz!
Até então não havia dado pela presença do larápio. Com pouco, divisou uma silhueta humana. Esperou ela se aproximar ainda mais e, quanto se convenceu de que estava sendo vítima de mais um furto, gritou:
– Ei, rapaz!
A silhueta não se intimidou e, confiante no blefe do surdo, continuou se aproximando mais e mais da beira d'água, até que Zé avistou o sujeito na penumbra quase cara-a-cara e soltou um último grito enfurecido: 
– Ei, rapaz! Ei, Chico Noca! Deixa de ser ladrão, cabra sem-vergonha! 

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