"Porque tive fome e me destes de comer; estava com sede e me destes de beber; era forasteiro e me recebestes em casa; estava nu e me vestistes; estive doente e cuidastes de mim; estive preso e fostes me visitar." (Mateus 25:35-36)
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019
Longarinas : Ednardo
Longarinas faz alusão aos pilares da Ponte Metálica da Praia de Iracema, que não é uma ponte, mas um píer, já que é uma passarela sobre as águas e não uma estrutura que interligue um ponto ao outro. A Ponte Metálica tem realmente muitas longarinas, relevando, desde logo, a sensibilidade do compositor Ednardo, ao nomear a canção a partir dos pilares gastos pelo mar e pelo tempo, sinônimos de altivez e resistência, valores cultuados pelo Pessoal do Ceará.
A música começa com: 'Faz muito tempo que eu não vejo o verde daquele mar quebrar', numa espécie de reencontro de um filho que havia partido e retornado, encantado, à terra natal, sina tão comum ao povo cearense, vivenciada pelo próprio Ednardo. O verde do mar faz lembrar os verdes mares bravios, de Iracema, de Alencar.
'Nas longarinas da ponte velha que ainda não caiu', ressalta-se a resistência da Ponte Metálica (Ponte Velha) como lembrança de uma época que não se deixa encobrir facilmente pela poeira do tempo.
'Faz muito tempo que eu não vejo o branco da espuma espirrar' descreve o encontro das ondas com as pilastras, formando uma espuma no choque da água salgada com o concreto, que espirra na eterna briga da ponte, que resiste, com o mar, que deseja destruí-la.
'Faz muito tempo que eu não vejo o branco da espuma espirrar' descreve o encontro das ondas com as pilastras, formando uma espuma no choque da água salgada com o concreto, que espirra na eterna briga da ponte, que resiste, com o mar, que deseja destruí-la.
'Uma a uma, as coisas vão sumindo'. A música segue lamentando o sumiço das coisas. Os símbolos do passado clássico que são encobertos pela indiferença do tempo. 'Uma a uma, se desmilinguindo.' Desmilinguir-se é, no coloquial, comum no Ceará, ir-se desmanchando, ir-se desfazendo... 'Só eu e a ponte velha teimam resistindo'. No entanto, a ponte e o poeta resistem; a ponte e o poeta, poeta-cantor do Pessoal do Ceará, que não larga suas raízes, que não nega sua identidade.
'E a nova jangada de vela', jangada tão comum nos verdes mares cearenses, jangada de Dragão do Mar, também sinônimo de resistência, 'Pintada de verde e encarnado', do verde da esperança e do encarnado da luta contra as forças da natureza.
'Só meu mote não muda a moda não muda nada...' O mote do poeta não muda a moda, não muda o gosto efêmero dos novos tempos. Apesar disso, resiste.
'E o mar engolindo lindo', as ondas do novo engolem o passado, a 'Antiga praia de Iracema', sua história, sua tradição, sua poética; engolem até os olhos verdes da menina que lia mais um novo poema, mas não sem um olhar desconfiado da lua para a noiva do sol (Fortaleza), com mais um supermercado, que traduz os novos tempos, erguidos sobre as ruínas dos casarões antigos.
Assim, 'Era uma vez meu castelo entre mangueiras e jasmins florados'. Os casarões vão-se desmilinguindo. Foram-se os tempos dos galos, noites e quintais. O mar vai engolindo a poesia de Iracema. O mal vai engolindo e rindo da poesia de outrora. O poeta chega enquanto o mar e mal devoram a Iracema dos seus sonhos e, com o coração partido, entoa um aboio: 'Beira-mar, beira-mar...' Beira-mar, Iracema... Dá no mesmo. Um aboio choroso como aquele do vaqueiro que perde a sua rês.
Mas, em meio a esse processo desolador, o poeta chega e representa uma esperança, esperança de um canto novo, de um tempo novo que não renega o passado. Um poeta que volta às origens, que saúda a maninha, que se balança na rende branca, na cadência do maracatu... Um poeta que está chegando agora. Quem sabe para ficar!
10 Filmes
1. Sociedade dos Poetas Mortos;
"Carpe diem. Seize the day, boys. Make your lives extraordinary."
2. A Vida é Bela;
"Buongiorno, Principessa!"
3. Papillon;
"Put all hope out of your mind."
4. A Lista de Schindler;
"Whoever saves one life, saves the world entire."
5. Vivos;
"Between these mountains somewhere there's a green valley. See those mountains over there? There's no snow on them."
6. O Cangaceiro;
"Olha, olha a terra... Olha a terra do meu sertão!"
7. O Silêncio dos Inocentes;
"A census taker once tried to test me. I ate his liver with some fava beans and a nice Chianti."
8. O Nome da Rosa;
"– But doesn't St. Thomas Aquinas praise love above all other virtues?
"– Yes, the love of God, Adso. The love of God."
9. Forrest Gump;
"My mama always said: life is like a box of chocolates. You never know what you’re gonna get."
10. Titanic.
"Winning that ticket, Rose, was the best thing that ever happened to me… it brought me to you..."
Curtas
Os direitos humanos não são um corolário efêmero das duas Grandes Guerras, mas um fenômeno que afeta a consciência de todas as gerações posteriores.
No Brasil, só há um tipo de corrupção: a do outro...
A civilização é um esforço de domesticação do primitivo que habita em nós.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019
Núcleo Essencial
"Todas as grandes filosofias e religiões sabem que o Universo finito é uma emanação da Divindade infinita, um produto do Todo Essencial, que é idêntico ao Nada Existencial. Entretanto, convém evitar as expressões parcela, centelha da Divindade, que insinuam o erro dualista de que o Universo criado seja algo separado do Deus Criador. O Universo não é separado nem idêntico a Deus, como opinam o dualismo ocidental e o panteísmo oriental, mas está em Deus, porém distinto dele, porque Deus é ao mesmo tempo transcendente a tudo e imanente em tudo." (Huberto Rohden. in Comentário ao Bhagavad Gita)
sábado, 23 de fevereiro de 2019
Soneto LXVI
O lírio do campo não nos redime;
Não damos a mão a quem nos implora;
Pensamos com fé num verbo sublime,
Distantes, sem ver aquele que chora.
Chegamos bem cedo às raias do crime;
Abrimos a porta a quem nos devora;
Tamanha é a força que nos oprime
Que somos do ontem, não do agora.
Às vezes, me pego meio absorto;
Tratamos o outro com tal soberba;
Seguimos a vida com tanta amarra.
Corremos atrás dum certo conforto;
Sofremos a pena, já bem acerba,
Sem tempo de ouvir a voz da cigarra.
Eliton Meneses
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019
Sermão da Montanha
Mateus 5:3-10
3 Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus;
4 Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados;
5 Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra;
6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados;
7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia;
8 Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus;
9 Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus;
10 Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; (...)
N.B.: Mahatma Gandhi, que não era cristão, certa vez disse que: "Se toda a literatura espiritual da humanidade perecesse, e só se salvasse o Sermão da Montanha, nada estaria perdido."
sábado, 16 de fevereiro de 2019
Édipo e a Esfinge
Édipo decifra o enigma da Esfinge.
"Decifra-me ou devoro-te!"
A Esfinge pergunta: "Que criatura tem quatro pés ao amanhecer, dois pés pela tarde e três pés ao anoitecer?
Édipo responde: "O homem, pois engatinha na infância, anda ereto na idade adulta e necessita de bengala na velhice."
Edipo y el enigma
"Cuadrúpedo en la aurora, alto en el día
y con tres pies errando por el vano
ámbito de la tarde, así veía
la eterna esfinge a su inconstante hermano,
y con tres pies errando por el vano
ámbito de la tarde, así veía
la eterna esfinge a su inconstante hermano,
el hombre, y con la tarde un hombre vino
que descifró aterrado en el espejo
de la monstruosa imagen, el reflejo
de su declinación y su destino.
Somos Edipo y de un eterno modo
la larga y triple bestia somos, todo
lo que seremos y lo que hemos sido.
Nos aniquilaría ver la ingente
forma de nuestro ser; piadosamente
Dios nos depara sucesión y olvido."
Jorge Luis Borges (in El Outro, El Mismo. 1964)
domingo, 10 de fevereiro de 2019
sábado, 9 de fevereiro de 2019
Véspera de Natal
O sol acabava de raiar por detrás dos edifícios quando saíram como se não tivessem destino. Era a primeira viagem juntos. Não propriamente uma viagem, mas um bate-volta numa cidade próxima, com a sensação de uma viagem longa. Ela ia na direção, linda como nunca. Trouxera no veículo chocolate com recheio de cupuaçu e água. Andaram inebriados por caminhos sinuosos cruzando bosques, vilas e riachos, além de um sítio com ares de infância distante. Perderam-se, encontraram-se. Quase não havia nuvens no céu da linda manhã de dezembro. Pareciam numa outra dimensão, fora do tempo e do espaço. Um simples toque na mão deflagrava toda uma ebulição de bem-estar. Bastava um olhar para o mundo se encher de cores. Tudo entre eles se tornava superlativo. As cores pulsavam, a natureza cantava, o mundo se cobria de flores. Havia entre eles um mistério, um encanto, uma sensação de plenitude. Embora não acreditassem em alma gêmea, concordavam que eram o que havia de mais próximo ao mito criado por Platão. Enquanto o carro andava lento, entreolhavam-se com a impressão de que todo o universo estava em pleno equilíbrio. Pena que chegaram ao destino e foi necessária a separação. Contrariada, ela o deixou próximo a um ponto de táxi. Ele apanhou um mototáxi, pôs o capacete e se dirigiu à estação mais próxima do metrô. Os pensamentos de ambos continuaram um no outro. Ela tentou ligar para ele, mas o telefone estava no silencioso enquanto a moto seguia veloz. Logo que ele chegou na estação, atendeu a ligação. Ficaram questionando por que haviam se separado. Por que não almoçaram juntos? Coisas que acontecem, ruído de comunicação, poderiam almoçar agora, bastava voltar, pegar um mototáxi de volta. Não. Já não dava mais, o metrô acabara de sair da estação. Pararia na estação seguinte. Não. No meio da tarde se encontrariam. Matariam a saudade nem que fosse por uns quinze minutos. Passaria no seu bairro. Continuaram se falando até a estação de destino. Desde que se despediu dela, ficou meio perdido. Havia um gosto de quero mais. Subiu no Shopping para almoçar e, enquanto olhava os enfeites de Natal, recebeu uma mensagem dela dizendo que ele pegasse novamente o metrô e voltasse oito estações que ela passaria em uma hora para apanhá-lo. Assim, ganhariam tempo. Almoçou rápido, sem largar a lembrança de Natal que ela lhe havia dado, e correu para a estação do metrô. Chegou na oitava estação no preciso momento em que ela ligou e avisou que estava próxima. Encontraram-se novamente com um sorriso largo e lembraram dos filmes de véspera de Natal que passavam na televisão. Seguiram inebriados, como se o mundo fosse só deles, como se não houvesse mais nada, como se àqueles momentos juntos se resumisse toda a eternidade. Trocaram carícias, olhares encantados e abraços apertados. Ela viajaria naquele dia. Passariam alguns dias sem poderem se ver. Felizmente se reencontraram. O encontro da manhã não seria suficiente. Deixaria um vazio bastante incômodo. O reencontro da tarde saciou o desejo de se verem. Estavam felizes, mesmo não podendo passar o Natal juntos. Era o que tinha para hoje, para a véspera de Natal. Ela foi para o seu lado da cidade. Ele voltou a pé para casa. No caminho, de tão feliz, foi distribuindo o que tinha no bolso. Cinco reais para um moço na praça, dez reais para um garoto que vendia slime na porta de casa... Era véspera de Natal e caminhava radiante, pois o melhor que poderia acontecer naquele dia acabava de acontecer. Havia encontrado ela, encontrado e reencontrado, viajado e sido resgatado... Estava radiante. Aquela era a véspera de Natal mais marcante da sua vida.
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