sábado, 10 de março de 2018

DEUS


O que dizer para o melhor amigo que chora no quarto escuro a morte da mãe estendida num caixão na sala? O que dizer para uma criança de onze anos que tinha na mãe a razão de viver e a perde do dia para a noite? O que dizer para consolar o amigo, se você tem apenas dez anos e a sua mãe está em casa, ainda jovem, aprontando o almoço? 
Entrei no quarto e não tinha o que dizer. Abracei o amigo e choramos juntos, choramos copiosamente, até que ele, ainda soluçando, olhou nos meus olhos e me perguntou: 
– Onde está Deus?   
Eu poderia ter respondido com o que nos ensinavam no catecismo, mas simplesmente silenciei e voltei a abraçá-lo. 
A vida inteira aquela pergunta me inquietou. O amigo nunca mais foi o mesmo. Quando brincávamos da gata, notava que ele sempre evitava passar pelo cemitério. Um pesadelo recorrente que tive durante anos foi o de minha mãe enterrada naquela mesma cova. Acordava assombrado e ficava aliviado quando a via dormindo do lado.
– Onde está Deus?
O amigo definhou. De melhor aluno da turma passou a aluno problema. Anos depois caiu no alcoolismo e quase foi arrastado bêbado pela cheia do rio. Em seguida, foi embora e não manda mais notícia para ninguém. Não sei se uma resposta àquela pergunta teria mudado o rumo da sua vida. Ter dito que Deus não era o assassino da sua mãe talvez aplacasse um pouco a sua revolta e a sua desilusão diante do mundo.  
De todo modo, é estranho como Deus parece tão acolhedor e prestativo para uns, ao passo que para outros parece simplesmente virar as costas. Para um adulto pode-se falar em livre arbítrio, pecado e castigo... Mas para uma criança? O que poderia justificar a morte de uma criança? O que poderia justificar a morte da mãe de uma criança?
A lógica de Deus decerto não é igual à nossa. É possível que estejamos tão apegados à matéria que não entendemos nada do transcendente. Ainda assim, não deixa de causar estranheza a indiferença do mundo diante dos inocentes.
Meu amigo se perdeu na vida por não achar uma resposta. Um amigo comum dizia que, se Deus era o autor da peça, Ele poderia por ou retirar do palco quem ele bem quisesse; outro tentava justificar a morte da mãe por culpas de vidas passadas, punidas na vida presente...; outro ainda dizia que deixássemos de ser bestas, porque Deus não existia e, mesmo que existisse, não perderia o tempo conosco...
Ter dito que Deus a teria chamado para junto de si não teria servido sequer de  consolo. Em verdade, meu amigo não deixou de acreditar na existência de Deus, simplesmente não o perdoou pela morte da sua mãe.

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