terça-feira, 11 de agosto de 2015

DO DIREITO DO MAIS FORTE - ROUSSEAU


O mais forte nunca é bastante forte para ser sempre o senhor, se não transformar sua força em direito e a obediência em dever. Daí o direito do mais forte, direito tomado aparentemente com ironia e na realidade estabelecido como princípio. Mas será que um dia nos explicarão essa palavra? A força é um poder físico; não vejo que moralidade pode resultar de seus efeitos. Ceder à força é um ato de necessidade, e não de vontade; é, quando muito, um ato de prudência. Em que sentido poderá constituir um dever?
Suponhamos por um momento esse pretenso direito. Digo que dele só resulta um galimatias inexplicável. Pois, tão logo seja a força que gera o direito, o efeito muda com a causa; toda força que sobrepuja a primeira há de sucedê-la nesse direito. Tão logo se possa desobedecer impunemente, torna-se legítimo fazê-lo, e, como o mais forte sempre tem razão, basta agir de modo a ser o mais forte. Ora, o que é o direito que perece quando cessa a força? Se é preciso obedecer pela força, não há necessidade de obedecer por dever, e, se já não se é forçado a obedecer, também já não se é obrigado a fazê-lo. Vês, pois, que a palavra direito nada acrescenta à força; não significa, aqui, absolutamente nada. 
Obedecei aos poderosos. Se isso que dizer: "cedei à força", o preceito é bom, mas supérfluo; afirmo que jamais será violado. Todo poder vem de Deus, reconheço-o, mas também todas as doenças. Significa isso que não se deva chamar o médico? Quando um bandido me ataca num canto do bosque, não só preciso entregar-lhe forçosamente minha bolsa, mas também, caso pudesse salvá-la, estaria obrigado, em sã consciência, a entregá-la? Afinal, a pistola que ele empunha é também um poder. 
Convenhamos, pois, que a força não faz o direito, e que só se é obrigado a obedecer aos poderes legítimos. Assim, minha pergunta inicial permanece de pé.
(Jean-Jacques Rosseau. O Contrato Social. Martins Fontes. 3.ª edição. São Paulo. 1999. pp. 12/13)

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