Quando viu Gonçalo triste e envergonhado, sentado na cadeira de rodas, com a mão estendida pedindo esmola na feira de domingo, Otília sorriu com sarcasmo e pensou consigo:
– Vai, bicho ruim, humilhar um padecente de Deus!
Gonçalo vivia próspero e saudável. Seu bar era bem frequentado e ele, aos sessenta anos, se gabava de nunca ter precisado ir a médico. Até que certa noite, ao tirar a calça depois de mais um dia de trabalho, percebeu uma ferida estranha na perda esquerda. Confiante, esperou que, com o tempo, a coisa sarasse, mas à medida que o tempo passava a ferida só crescia. Nem mesmo os medicamentos prescritos pelo dono da farmácia conseguiram conter o avanço da pereba. Finalmente, Gonçalo teve que ir a Sobral procurar ajuda médica. Depois de quatro meses de sofrimento, ele retornou à Palma, sem uma das pernas, prostrado numa cadeira de rodas e ainda sem nenhuma perspectiva financeira. Todo o dinheiro que economizara ao longo da vida despendera no tratamento; para agravar a situação, o bar não resistiu à sua ausência e os filhos tinham ganhado o mundo atrás de emprego. Dona Zilda ainda pediu que ele não fosse, mas, como a ajuda dos amigos era pouca, engoliu o orgulho e se dirigiu, empurrado por um pixote, para a entrada principal do Mercado Público, numa manhã de domingo.
Pouco antes da doença de Gonçalo, Otília estivera em seu bar pedindo esmola aos fregueses. O dono do bar, irritado com a presença incômoda, mas sem coragem de expulsá-la, apenas soltou-lhe uma indireta:
– Boa essa sua profissão, não é, Otília?! Enquanto a gente trabalha, você fica só nessa vadiagem!
Otília ficou possessa com a piada de Gonçalo, imediatamente recolheu a mão com que pedia os trocados e se retirou do estabelecimento, não sem antes responder à provocação:
– Pois tome cuidado, Seu Gonçalo, para você não morrer exercendo essa minha mesma profissão!
Gonçalo realmente morreu pedindo esmola e essa praga era somente mais uma das tantas de que Otília se vangloriava de ter botado durante a sua vida.
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