domingo, 13 de julho de 2008

O Sertão de Graciliano: Do Regional ao Universal
Integrante do grupo regionalista de trinta, Graciliano Ramos é reconhecido pela crítica literária como um dos maiores nomes de nossas letras nos últimos tempos, sendo reconhecido não só no Brasil, mas também em vários outros países do mundo. Escreveu 4 (quatro) romances, várias crônicas, contos e ensaios. Dentre suas obras podemos citar: Caetés (1933), São Bernardo (1934), Vidas Secas (1938), Angústia (1936), Histórias de Alexandre (1944), Dois Dedos(1945), Histórias incompletas(1946), Insônia(1947), Histórias Verdadeiras (1951), além dos livros publicados postumamente, entre os quais Histórias Agrestes (1960), Alexandre e Outros Heróis (1962), Linhas Tortas (1962) e Viventes de Alagoas (1962), além de Memórias do Cárcere (1953). Muitos dos seus romances já foram traduzidos para diversos idiomas, dentre os quais Vidas Secas e São Bernardo, alcançando assim um reconhecimento internacional.

Embora o escritor tenha iniciado suas produções literárias um pouco tarde, aos 40 anos de idade, já nos primeiros escritos demonstra total segurança na utilização da linguagem e na forma como estrutura o enredo. Tal fator deve-se à cobrança excessiva que fazia a si próprio, de modo que, ao publicar um livro, fazia diversas correções da mesma produção. Grande parte dos seus romances estão inseridos dentre as obras regionalistas que apresenta como temática predominante o ciclo da seca no nordeste, que abrange desde os problemas relacionados às condições climáticas, passando pela decadência do coronelista e, por conseqüência, pelo padecer de muitos trabalhadores submetidos às mais drásticas imposições de seus chefes. Fazem parte dessa temática as obras Vidas Secas, São Bernardo, Infância e Viventes das Alagoas.

Tais obras, sobretudo as duas primeiras, apenas num primeiro momento, assumem características restritamente regionais. Em verdade, se aprofundarmos um pouco a análise, perceberemos forte caráter transcendental, universal. Descobriremos que a seca e os demais fatores físicos que eventualmente influem no caráter e no padecer das personagens são fatores circunstanciais. A análise do homem como ser no mundo, com seus conflitos e capacidade de superação, é o traço que mais marca a obra de Graciliano. Dessa forma, o fato de ser nordestina não é, só por isso, suficiente para torná-la regional, ao menos num aspecto.

O protagonista é sempre um sujeito humano, demasiadamente humano, que vive sempre em conflito com o mundo, com o outros e até consigo próprio. A luta do homem – falível por natureza - para superar-se num mundo repleto de contradições confere à obra de Graciliano uma forte marca universal, assumindo um caráter introspectivo e psicológico que diverge do regionalismo convencional, marcado pela tentativa de denúncia social.

Tal entendimento é compartilhado pelo crítico Alfredo Bosi que chega a considerar precária, senão falsa, a nota de regionalismo que se costuma dar a obras em tudo universais como São Bernardo e Vidas Secas:

"O realismo de Graciliano não é orgânico nem espontâneo. É crítico. O “herói” é sempre um problema: não aceita o mundo, nem os outros, nem a si mesmo. Sofrendo pelas distâncias que o separam da placenta familiar ou grupal, introjeta o conflito numa conduta de extrema dureza que é a sua única máscara possível. E o romancista encontra no trato analítico dessa máscara a melhor fórmula de fixar as tensões sociais como primeiro motor de todos os comportamentos. Esta a grande conquista de Graciliano Ramos: superar na montagem do protagonista (verdadeiro “primeiro lutador”) o estágio no qual seguem caminhos opostos o painel da sociedade e a sondagem moral. Daí parecer precária, se não falsa, a nota de regionalismo que costuma dar a obras em tudo universais como São Bernardo e Vidas Secas." (BOSI:1994, p. 402)

Auricélia Fontenele - 2002