sexta-feira, 31 de maio de 2019

Frase do mês


"Jeder, der sich die Fähigkeit erhält, Schönes zu erkennen, wird nie alt werden" (Kafka)

Gato


O menino precisava de um animal de estimação. Andava solitário, filho único. Os pais não podiam ter outro filho. As condições não davam. Vida de professor não é fácil. O psicólogo aconselhou uma forma alternativa de afeto. Um cachorro, um gato... Um cachorro de raça não cabia no orçamento já apertado. Ração, veterinário, banho e tosa... Impensável. 
O filho suplicava por um animalzinho, o tempo passava. O pai teve uma ideia. No departamento onde ensinava havia muitos gatos. Gatos de rua, sem dono. Alguns tinham tanto tempo de campus que já eram quase doutores... Os alunos estranharam quando viram o professor levando um gato. Era aquele, manso e cinza. Levou com cuidado a surpresa para o filho. O menino ficou em êxtase. Era o amiguinho com que tanto sonhara. A mãe deu um banho no bichano, pôs uma fita vermelha no seu pescoço e serviu leite fresco. A casa estava completa. Sem custo extra, gato de rua come qualquer coisa.   
O menino acordava cedo, brincava com o Panis, ia disposto para a aula. A casa estava mais alegre, o menino mais sociável, fazia sozinho a tarefa de casa. O psicólogo parabenizou a aquisição. Dormiam do lado, menino e gato. Tudo tinha mudado. Duas semanas de puro enlevo, até que Panis amanheceu indisposto. O menino fez de tudo para animá-lo. Deu água, leite, o levou para a rua. Nada adiantou. O gatinho só ficava deitado, sem disposição para nada. Em desespero, a criança pediu que fossem ao veterinário. Calma, menino. Veterinário é caro. Esperaram mais um dia, o gato amanheceu ainda mais desanimado e não teve jeito. Foram todos ao veterinário. Consulta cara, alguns exames e eis o terrível diagnóstico. Esporotricose! A cura era possível, mas o tratamento caro e demorado. Quanto era? Entre quatro e cinco mil. Impensável. 
O gato, os pais e o menino voltaram igualmente macambúzios. 
Na manhã seguinte, o pai resolveu adotar a solução mais drástica. Levou o gato de volta para o departamento onde ensinava...

Vidas Secas


A história se passa com uma família de retirantes nordestinos, que em tempos de seca saía em busca de água e qualidade de vida.
A família era composta por Fabiano, sinhá Vitória e dois filhos, que são citados como filho mais velho e filho mais novo. Na família ainda tinha mais um membro, a Baleia, que não é aquele animal que vive de baixo da água e sim um cachorro.
Fabiano é um bruto, típico vaqueiro, nunca frequentou a escola, às vezes chega a ver a si próprio como um animal, pois não sabe se comunicar, tanto que entrou em uma confusão em um bar com um soldado que o desafiou para um jogo. O soldado perdeu a aposta e começou a xingar, Fabiano retrucou insultando a mãe do soldado e acabou sendo preso por desacato.
Sinhá Vitória é a esposa de Fabiano, mulher de muita fé e trabalhadora, cuidava dos filhos e ajudava o marido. Sabia fazer contas, sonhava com um futuro melhor para os seus filhos, o sonho dela era ter uma cama de fita de couro para dormir. Em um dos caminhos de fuga da seca, a família achou uma fazenda abandonada, eles então se abrigaram nela. A cachorra Baleia saiu, quando voltou estava com um preá na boca, logo a família devorou, sobrando apenas ossos para Baleia, Fabiano encontra água no bebedouro dos animais , e logo pensa, “teremos água e comida hoje”. No outro dia chega um senhor na fazenda, perguntando o que eles faziam ali e queria expulsar a família de lá. Fabiano negociou, ofereceu sua mão de obra em troca de permanecer lá; então o patrão aceitou. A ideia de Fabiano agora era sobreviver.
A seca chegava, vários pássaros tentavam beber a água dos animais, as aves poderiam matar o gado de sede, diante disso Fabiano pegou uma espingarda e tentou afugentá-las, elas poderiam servir como comida, mas por pouco tempo. Nesse mesmo período, a cachorra Baleia estava muito doente, Fabiano então achou que ela estava com raiva, então decidiu sacrificá-la, sinhá Vitória tirou os meninos de perto para evitar que vissem a cena. A cachorra era como uma parte da família. Fabiano preparou a espingarda e matou a Baleia.
Fabiano estava muito endividado com o seu patrão, pois sempre pedia dinheiro emprestado. Todos os bezerros morreram, Fabiano e sinhá Vitória decidiram partir. Eles saíram de madrugada, os dois foram conversando sobre o futuro deles e dos filhos: "O que será de nossa vida? Vamos para a cidade? E os nossos filhos?"
A mãe dos meninos não queria que eles fossem vaqueiros como Fabiano. Já ele não via outro futuro para eles que não fosse esse. Todos os planos de viverem em outra terra os animavam a continuar a viagem para algum lugar onde pudessem viver e tornar os seus filhos pessoas melhores.

Carlos Henrique Albuquerque
Escola Vilebaldo Aguiar
2.º Ano do Ensino Médio

Manifestações


Vivendo e (des)aprendendo! A pessoa ir pras ruas defender o corte dos próprios direitos é para mim algo inédito...

                                                 ***

As manifestações pró-Bolsonaro deixaram claro. Apenas uma minoria da direita é fascista!

                                                 ***
1. Na eleição:

– Ah, voto no Bolsonaro, mas se ele fizer besteira vou pras ruas contra ele...

2. Depois dos cortes da educação do governo Bolsonaro:

2.1. Na manifestação em defesa da educação:

– Ela não veio...

2.2. Na manifestação em defesa do Bolsonaro:

– Ela estava na rua aplaudindo os fascistas retirarem uma faixa da frente de uma Universidade que dizia: Em defesa da educação...

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Doutor Fausto :: Thomas Mann


"É estranho que a gente sempre queira atrair os outros a seu próprio caminho."

"Quando o mundo se nos descortina – não será esse instante o mais feliz ou, pelo menos, o mais excitante da vida de toda a gente?"

"O Mal era muito mais malvado porque havia o Bem, o Bem muito mais belo porque o Mal existia. Ora, talvez – isso seria discutível – o Mal não fosse mau se não houvesse o Bem, e este não seria bom sem a presença do Mal. Agostino, pelo menos, ousara afirmar que a função do Mal consistia em salientar mais nitidamente o Bem, o qual seria muito mais aprazível e louvável quando o comparássemos com o Mal."

"Não faz mal que a juventude e sua época se compreendam mutuamente."

"Ser jovem quer dizer ser original, quer dizer conservar-se próximo das fontes da vida, quer dizer erguer-se e sacudir as amarras de uma civilização obsoleta, ousar o que outros não têm coragem de arriscar e saber voltar a imergir no elementar. O destemor da juventude é o espírito do 'Morre e transmuda-te' goethiano, é a noção de morte e renascimento." 

"A procura da verdade fica ameaçada de acabar em resignação e desespero."

"Nosso amor pertence ao destino, a qualquer destino, seja ele o que for, ainda que nos traga o ocaso que abrase o céu com o rubor de um crepúsculo dos deuses."

"O essencial não se ajusta inteiramente às palavras."

"Pessoas como eu têm, afinal de contas, suas dúvidas a respeito do acerto dos pensamentos do rebanho."

"Este (o espírito) – eis a minha firme convicção – pode empreender os mais audaciosos, os mais incontidos avanços, as tentativas e pesquisas menos acessíveis às multidões, e todavia ter certeza de servir, de algum modo elevado, indiretamente ao homem, e com o tempo até aos homens."

(Thomas Mann. in Doutor Fausto)

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Soneto LXXII


Certa noite ficaste em sobressalto;
As estrelas no céu perderam o brilho;
Algum louco apertou o seu gatilho,
Pondo um corpo inocente no asfalto.

Não se sabe vingança ou se assalto;
Era pai, companheiro e também filho;
Caminhava na vida sob o trilho;
Tinha o sonho de ir sempre mais alto.

Foi-se embora o algoz sem paradeiro;
A polícia não pôde fazer nada;
Não seria esse crime o derradeiro.

A família, de luto e desolada,
Precisava de afeto e de dinheiro,
Mas se viu para sempre abandonada.

Eliton Meneses

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Opinião x Preconceito


Na era da pós-verdade, há um esgotamento dos conceitos e uma tendência à negação de todas as 'verdades' erigidas sob o velho mundo, de uma forma às vezes perigosa. Quando, por exemplo, se pretende desconstruir o que se chama de 'discurso politicamente correto', parece tender-se para a legitimação de um 'discurso politicamente incorreto', muitas vezes atravessando a fronteira do próprio preconceito. Se há excesso no 'discurso politicamente correto', deve-se combater o excesso, e não achar que o excesso de ontem justifica o abuso de hoje. Por mais que a ciência tenha fracassado em provar a Verdade, algumas verdades estão postas, são inquestionáveis e qualquer ideia de construção de um mundo novo que pretenda ignorá-las já começa mal, sem fundamento e está fadada ao fracasso.
Num regime democrático tende-se a considerar tudo um debate de opinião. No entanto, o debate deve acabar exatamente onde o preconceito começa, muito embora se reconheça que algumas vezes haja uma linha tênue entre uma coisa e outra. Sempre ouvi dizer que a música 'O teu cabelo não nega', do Lamartine Babo, dos anos 30, era um exemplo histórico de preconceito, assim como umas passagens da obra do Monteiro Lobato, dentre outras, enfim, obras que se tinham incorporado na cultura nacional, mas que eram um retrato de uma época em que o preconceito era naturalizado e que, embora reproduzidas, não eram um exemplo a ser seguido.
Atualmente, já há pessoas defendendo que a música não veicula preconceito, porque é um poema para uma mulata, que a interpretação autêntica (a intenção do Lamartine Babo) não era aquela, que, quando se diz: 'mas quando a cor não pega', está-se querendo pegar a cor da mulata, mas, como a cor não é transmissível, se quer o amor dela... O fato é que é difícil para essas pessoas reconhecerem que o preconceito é algo coletivo e não individual. O preconceito de que se trata não é o do poeta em face da musa inspiradora do poema, mas o preconceito em face da 'raça' dela, sendo plenamente possível que alguém não goste do gênero, mas goste de algo específico desse gênero, daí o mas, que é conjunção adversativa e significa apesar de, não obstante, ainda assim...
Noutro passo, não convém buscar uma interpretação do poeta autor da obra. Afinal, não se trata de julgar o Lamartine Babo, que, a propósito, fez os mais belos hinos do futebol brasileiro e já deve estar de osso branco... A questão é que 'O teu cabelo não nega' transcendeu em muito o seu autor e se tornou talvez a mais conhecida marchinha do Carnaval brasileiro, que é famoso no mundo todo, sendo executada todo ano exaustivamente. Não se trata também de censurar a própria marchinha, que já se incorporou na cultura e não tem por que ser proibida oitenta anos depois de ter sido feita. Agora, outra coisa é achar que ela não veicula preconceito e dessa forma tentar naturalizar o preconceito que ela realmente encerra. Embora, de fato, haja uma possibilidade interpretativa que possa sugerir o desejo de ser contagiado pela cor da mulata – aliás, palavra com forte conotação depreciativa, passível de uma discussão à parte –, a interpretação mais imediata é a que sugere a cor da mulata como algo que não se quer pegar, ou seja, quer-se o amor dela já que não há o risco de contrair a sua cor, que seria algo indesejável. Tal interpretação, mesmo não tendo sido o propósito consciente do Lamartine Babo, é algo que decorre da própria literalidade do texto – mas é adversativa – e a música, como qualquer outra arte, é produto cultural de um povo e não apenas de um autor. 'O teu cabelo não nega' não é produto apenas do Lamartine Babo, mas de um país que é eivado de preconceito, de um tempo recuado em que esse preconceito era ainda mais intenso e até naturalizado, inclusive porque a sombra da escravidão ainda era latente, escravidão que adotou um dos modelos mais perversos da história.
Quando se trata de preconceito, um vetor que deve nos orientar é a perspectiva da vítima do preconceito. O que acha o negro, especialmente a mulher negra, da machinha 'O teu cabelo não nega'? Sente-se ela bem ao ouvi-la ou se sente incomodada? Decerto, muitas se sentem incomodadas; logo, se há esse incômodo, há sim preconceito envolvido e, portanto, algo que não pode ser naturalizado.
A perspectiva do preconceito não é o da coisa em si, mas a do resultado danoso que ela pode produzir. Às vezes, constrói-se um brinquedo apenas para que uma criança se diverta, mas às vezes esse brinquedo causa danos à criança e, aí, passa a ser um exemplo de brinquedo que não deve ser seguido. Se há um potencial de dano em 'O teu cabelo não nega', não se trata de censurá-la, não se trata de condenar o Lamartine Babo, não se trata de tratar intolerância com intolerância, mas de deixar claro que se trata de uma peça do passado, incorporada ao patrimônio cultural brasileiro, que, de todo modo, veicula um potencial danoso e que, como tal, não é um exemplo a ser seguido.

domingo, 19 de maio de 2019

Eu já sabia!


Quando o avião pega uma turbulência, espera-se do piloto experiência, equilíbrio e conhecimento. Entre nós, num país em crise, apostou-se num sujeito desequilibrado e estulto, que, após ser expulso do exército precocemente por indisciplina e deslealdade, agarrou-se na carreira política como um meio de vida – para si e para uma récua de filhos –, nada mais tendo feito, em mais de vinte anos como deputado do baixo clero, do que colecionar bate-bocas, destilar ódio e levar uma cuspida... Deu no que deu! Eu já sabia!

terça-feira, 14 de maio de 2019

Soneto LXXI


Eu também percorri o meu deserto;
Mergulhei no vazio da existência;
Já provei da amarga experiência,
Quando nem minha sombra dei por perto.

Sem coragem, sentei a céu aberto;
Entre pedras, exausto, sem decência;
Com sinais da mais rude incoerência,
Sob um sol sem calor me vi desperto.

Lobriguei entre a névoa alguém que chora,
Um espectro perdido que me implora,
Acossado de peso sobre os ombros.

Uma luz me surgiu na noite escura;
De inopino saí dessa tortura,
Ressurgi quase ileso dos escombros.

Eliton Meneses

domingo, 12 de maio de 2019