Acho que hoje vivi um pouco do que é o espírito de Antígona de Sofócles no plantão de hoje da Defensoria Pública.
Um homem, junto com sua mãe, esperavam desde às 9:00 da manhã um
atendimento para conseguir autorização judicial para poder inumar
(enterrar) sua filha recém-nascida. Meio-dia comecei a atendê-los. O
homem vivia em união estável com sua companheira há 2 anos e meio. Na
última terça-feira, 1.º de maio, ela começou o trabalho de parto e
infelizmente veio a falecer. A criança sobreviveu, mas hoje, por volta
das 3h da manhã, teve a terrível notícia que sua filha também falecera.
Como vivia em união estável e não eram casados, não tinha como registrar
sua filha para que depois de registrada pudesse receber a certidão de
óbito para poder inumar sua filha e fazer a certidão de óbito. Os pais
da mãe da criança também era falecidos, tendo como único parente uma tia
que ali não se encontrava!!
Após ligação para cartório
plantonista do Sisob, tive a informação de que se autorizaria fazer o
registro de nascimento sem nome do suposto pai pela tia, desde que com uma
simples autorização judicial. Realmente não vi na lei do Registro
Público a possibilidade de se fazer o registro público da criança
falecida pela tia da mãe também falecida.
Consegui falar com a
equipe do plantão judicial no inicio da tarde, informando que ajuizaria a
demanda assim que a tia da mãe falecida chegasse, com o intuito de
fazer um pedido judicial de autorização para que a tia pedisse uma
autorização para, no mínimo, vendo aquelas pessoas arrasadas, dar o
mínimo de dignidade com a inumação da criança o quanto antes.
A tia
se deslocou do Montese até o Fórum Clóvis Beviláqua, ante a lentidão do
transporte público. Nesse intervalo, ainda atendi um pedido de UTI de um
senhor que se encontrava em uma UPA e não conseguia vaga de
transferência.
A tia da mãe chegou por volta das 16:30 e, ante a
seleção de papeladas, confecção de peça inédita, mencionei toda a
situação exposta e, finalmente, ao consegui protocolar a petição, o
sistema indicou 18:05.
Após se deslocar à secretaria, o homem
chorando afirmou que não iriam apreciar o pedido porque havia passado 5
minutos. O plantão é apenas até 6 horas.
Sei que se pode dizer: passaram-se 5 minutos!!! A regra é clara!!!
Mas vendo toda essa situação me indaguei: Ganhamos bem comparando com a maior parte dos brasileiros para nessas horas termos essa postura!?
Mesmo sem se render ao fraco argumento financeiro, um possível ativismo
pró-humano (já que ultimamente tem-se destacado o contra) diante desse
caso iria provocar uma sanção gravíssima a quem tivesse sensibilidade
com a situação!?
O formalismo de 5 minutos e a vontade de ir pra
casa no plantão, usufruir o sábado à noite, estão acima da dignidade
dessa pessoa que ainda terá que esperar mais tempo para inumar uma
criança recém-nascida!?
Acho que às vezes temos que ser um pouco
Antígona, porque a burocracia e o distanciamento da realidade fazem
virarmos desumanos!!!
Vou acompanhar a situação e espero que a
sensibilidade humana que independe de classe social, nível intelectual,
religião, ideologia, prevaleça e essa criança possa ser inumada o quanto
antes, um mínimo de conforto ante as duas perdas de quem sofreu um
revés da realidade ante os sonhos!!!
Vagner de Farias
Defensor Público