domingo, 18 de junho de 2017

NATALI II


Pedro foi seu primeiro e único namorado. Estava com ele há três meses quando Dimitri apareceu na escola. Não se arrependia de tê-lo deixado. Percebeu desde o princípio que sua relação com Dimitri não seria uma amizade qualquer. Sinceramente, ela não acreditava em amizade entre homem e mulher, sobretudo se ambos fossem jovens e bem-apessoados. O tempo, porém, insistia em negar sua convicção. Dimitri tinha à época quinze anos; ela, dezesseis. Quando o viu pela primeira vez pensou: 
– É ele! 
Não conseguia compreender como um sentimento surgido de forma tão arrebatadora não havia ainda resultado em namoro, ao menos num namoro formalmente declarado. Depois de um começo animador, de um afago na casa da tia, os encontros largaram o rumo do namoro e seguiram a tendência da amizade. Quando no ano seguinte ele deixou a escola, os encontros foram aos poucos minguando. No segundo ano, em escolas diferentes, viram-se pouco. Já no terceiro ano, as conversas se amiudaram. Era época de vestibular. Combinaram de estudar algumas vezes juntos, de trocarem apostilas, de comentarem o livro de cabeceira. Falavam-se no telefone até tarde. 
Não esquecia o dia em que foram à praia. Pela primeira vez viu Dimitri sem camisa. Era magro, não tinha músculo, o tórax pálido parecia não ter visto sol há alguns anos. Ele se pôs a ler um livro, sentado na areia, erguendo a cabeça volta e meia para contemplar uma jangada distante, enquanto ela ainda decidia se ficava ou não de biquíni. Admirava a serenidade do amigo, a sua discrição, o respeito com que ele a tratava, às vezes até demasiado. No fundo, esperava um pouco mais de ousadia por parte dele. Ele que pedisse para ela ficar de biquíni. Se não pediu é porque não estava interessado em vê-la. Ficou mesmo de calça e camisa. Abriu um livro e também se pôs a ler. 
Anos depois, Dimitri confessou que estava ansioso para vê-la de biquíni e que pensou em pedi-la para tirar a roupa, mas achou que a ousadia seria mal interpretada e preferiu não tocar no assunto.   
No final de um dia terrível, em que duas crianças e um adulto haviam sucumbido à epidemia, Natali recebeu no acampamento o convite para o casamento do amigo. Ficou pálida, pensou em rasgá-lo, em jogá-lo na fogueira, mas se conteve e, antes de amassá-lo, uma lágrima caiu sobre o nome do amigo. Naquela noite não conseguiu pregar os olhos. No meio da madrugada, insone, sentou-se no terreiro deserto, iluminado apenas pelo céu estrelado, e chorou copiosamente, como nunca havia chorado antes. Aquilo devia ser um pesadelo. Não podia acreditar. Dimitri não era apenas um amigo. Era muito mais do que isso. Pela primeira vez sentiu ciúme, sentiu ódio de uma pessoa cujo nome nem chegou a ler. Não teria coragem de ir àquele casamento. Não conseguiria suportar. Em um mês o seu Dimitri estaria casado com outra. 
Perdeu todo o prazer no que fazia. Passou a dedicar-se mais ao trabalho para compensar a repentina falta de atenção. Não conseguia comer. As noites alternavam-se entre a insônia e os pesadelos com o casamento. Ninguém sabia o que estava acontecendo com ela. Com a imunidade baixa, não poderia desafiar o Ebola. No sétimo dia de suplício, resolveu ligar para Dimitri e pedir um encontro de emergência.

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