sábado, 30 de janeiro de 2016

VIDA DE REPÚBLICA VI


Bernardo havia terminado o curso. Os seis meses de tolerância da Pró-reitoria não foram suficientes para que ele arrumasse um emprego. Com a vinda de um novo morador, improvisou-se uma cama e um armário debaixo do telhado dos fundos para abrigá-lo por mais algum tempo.
– Faça o possível para ter um emprego antes de concluir o curso, Chico!
No canto oposto do mesmo telhado, arranjavam-se Dona Marta e a sua filha, agregadas que ganhavam a vida lavando roupa nos arredores e às vezes nos prestavam alguns serviços como retribuição pela moradia.   
Dona Marta não se entendia com Cabeça; certa vez, ela quase apanhou depois de protestar por ele ter tomado um refrigerante que seria dela. Para azar da coitada, Cabeça também havia colocado pouco depois dela um refrigerante idêntico no mesmo congelador...   
Bernardo, mesmo na condição de agregado, continuava a se incomodar com a vida louca do Cabeça. Não concebia como um sujeito conseguia viver bebendo toda noite e dormindo o dia inteiro. Quando foi a Várzea Alegre, para pregar uma peça em Cabeça, trouxe, numa gaiola pequena, um Cancão. Estrategicamente, pôs a gaiola pendurada próxima à rede do boêmio. Aos primeiros raios da manhã, o pássaro iniciava o seu piado estridente e perturbador. Nos dois primeiros dias, Cabeça pareceu nem ter dado conta da presença do animal. No terceiro dia, porém, quando Bernardo já pensava em desistir do seu plano, incomodado, mesmo nos fundos da casa, com o barulho infernal do Cancão, Cabeça arremessou com força a sua enorme bota na frágil gaiola de talos de carnaubeira, silenciando para sempre o canto do Cancão...
Bernardo, depois de uns meses desnorteado, foi tentar a vida no Acre. Dona Marta e a filha também ganharam o mundo quando dois novatos, incomodados com a presença delas, começaram a tomar banho pelados no chuveiro do quintal.   

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