domingo, 10 de novembro de 2013

MAOMÉ E O ISLÃ



"A Arábia daria a impressão de ser o que fora desde tempos imemoriais: o refúgio de pequenas e turbulentas tribos nômades. Nenhum povo semita fundara um império em mais de dois mil anos.  
Então, de súbito, os beduínos chamejaram num breve século de esplendor. Estenderam seu domínio e sua linguagem da Espanha às fronteiras da China. Deram ao mundo uma nova cultura. Criaram uma religião que segue sendo, nos dias de hoje, uma das forças mais vitais do mundo. 
O homem que inflamou a chama árabe surge na história como o jovem marido da viúva de um rico comerciante da cidade de Meca. Seu nome era Maomé. Até os quarenta anos, não fez nada que o distinguisse no mundo. Ao que parece, tinha um considerável interesse por discussões religiosas. Meca era uma cidade pagã naquele tempo, e venerava em particular uma pedra negra, a Caaba, célebre em toda a Europa e centro de peregrinações; mas existiam grandes quantidades de judeus na região – na verdade, todo o sul da Arábia professava a fé judaica – e havia igrejas cristãs na Síria.
Quando se aproximou dos quarenta anos, Maomé começou a desenvolver dons proféticos, como os dons exibidos pelos profetas hebreus doze séculos antes. Foi com sua esposa que ele primeiro falou sobre o Único Deus Verdadeiro, e sobre recompensas e punições para virtudes e perversidades. Não há como duvidar de que seus pensamentos foram fortemente influenciados por ideias judaicas e cristãs. Ele reuniu em torno de si um pequeno círculo de crentes e logo começou a pregar na cidade, criticando a idolatria predominante. Isso fez com que Maomé se tornasse extremamente impopular entre os habitantes da cidade, porque as peregrinações à Caaba eram a principal fonte de prosperidade de que Meca desfrutava. Ele ficou mais ousado e objetivo em sua pregação, declarando ser o último profeta escolhido por Deus, incumbido de uma missão de aperfeiçoar a religião. Abraão e Jesus Cristo, ele declarou, eram seus precursores. Ele fora escolhido para completar e aperfeiçoar a revelação da vontade de Deus.
Maomé compôs versos que lhe foram comunicados por um anjo, segundo afirmava, e teve uma estranha visão, na qual foi erguido aos Céus, até Deus, para ser instruído sobre sua missão.
À medida que sua pregação foi se tornando mais intensa, a hostilidade dos habitantes de Meca também se intensificou. Surgiu uma conspiração para matá-lo; mas ele fugiu com seu fiel amigo e discípulo Abu Bakr para a cidade de Medina, que o recebeu bem e adotou sua doutrina. Seguiram-se hostilidades entre Meca e Medina, e por fim houve um tratado de paz. Meca adotaria a veneração do Único Deus Verdadeiro e aceitaria Maomé como seu profeta, mas os adeptos da nova fé deveriam continuar fazendo a peregrinação para Meca, a mesma que costumavam fazer quando eram pagãos. Assim, Maomé instituiu o Único Deus Verdadeiro em Meca, sem prejudicar o tráfego de peregrinos. Em 629, ele retornou a Meca na condição de líder, um ano após ter sido enviado seus mensageiros ao encontro de Heráclio, Tai Tsung, Kavadh e todos os governantes da Terra. 
Então, por quatro anos, até morrer em 632, Maomé estendeu seu poder por todo o resto da Arábia. Ele se casou com várias mulheres em seus últimos anos, e sua vida como um todo, segundo os padrões modernos, não foi edificante. Maomé parece ter sido um homem repleto de vaidade, ganância, astúcia e autoengano, imbuído de uma paixão religiosa bastante sincera. Ditou um livro de prescrições e esclarecimentos, o Corão, que lhe foi comunicado por Deus, segundo declarou. Encarado ou como literatura ou como filosofia, o Corão certamente não está à altura de sua suposta autoria divina. 
No entanto, quando os defeitos evidentes da vida e dos escritos de Maomé são deixados de lado, o islamismo, a fé que ele impôs aos árabes, demonstra ter muita força e inspiração. Uma de suas forças é o monoteísmo intransigente, sua fé simples e entusiasmada na soberania e na paternidade de Deus; é uma fé livre de complicações teológicas. Outra é seu afastamento absoluto dos templos e sacerdotes sacrificiais. É uma religião inteiramente profética, à prova de qualquer possibilidade de uma recaída em sacrifícios de sangue. No Corão, a natureza limitada e cerimonial da peregrinação a Meca é afirmada além de qualquer possibilidade de contestação, e Maomé tomou todas as precauções para que não fosse deificado após sua morte. Um terceiro elemento poderoso reside na insistência do islamismo quanto à perfeita irmandade e igualdade de todos os crentes perante Deus, não importando a cor, a origem ou a posição social.
São esses os fatores que fizeram do Islã uma força nas relações humanas. Já foi dito que o verdadeiro fundador do Império Islâmico não foi tanto Maomé, e sim seu amigo e ajudante Abu Bakr. Se Maomé, com sua personalidade volúvel, foi a mente e a imaginação por trás do islamismo primitivo, Abu Bakr foi sua consciência e sua vontade. Nos momentos em que Maomé vacilou, Abu Bakr lhe deu auxílio. E quando Maomé morreu, Abu Bakr se tornou califa (sucessor) e, com a fé que move montanhas, dedicou-se com simplicidade e sensatez a organizar a subjugação de todo o mundo em nome de Alá – com pequenos exércitos de 3 ou 4 mil árabes –, de acordo com as cartas que o profeta escrevera em 628, de Medina, para todos os monarcas do mundo."
(H. G. Wells. Uma Breve História do Mundo. L&PM Pocket. pp. 203/206)   

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