sábado, 30 de novembro de 2013

ONDAS



Ó vagas do mago vidente;
Fúria inclemente do mar;
Sinal de abismo iminente;
Tropel de imenso cismar!
De penas, a terra coberta,
Num sopro irá se afogar;
Ressoa o clarim de alerta:
No cosmo, voraz renegar!
O tempo é estrela cadente;
Em terra anúncio de morte;
Nos sinos, há lúgubre soar.
Ao homem, no fim aparente,
Lhe resta o bafejo da sorte:
Da corrida aprender a voar.

Eliton Meneses

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

VEREDAS SINUOSAS – LANÇAMENTO


A obra coreauense Veredas Sinuosas, parceria nossa com o poeta Benedito Rodrigues, foi selecionada para lançamento no X Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários da Universidade Federal do Ceará, realizado de 10 a 13 de dezembro do corrente ano, no Centro de Humanidades da UFC, na Av. da Universidade, Benfica, Fortaleza/CE.
Confira o link:

sábado, 23 de novembro de 2013

ALTOS E BAIXOS


EM ALTA

A calorosa acolhida do livro Veredas Sinuosas, parceria nossa com o poeta Benedito Gomes Rodrigues. Muitas pessoas já o adquiriram e outras tantas estão à espera de recebê-lo. Os comentários têm sido os mais gentis e elogiosos.     

EM BAIXA 

O fosso que há entre o discurso e a prática de certos políticos. Em Fortaleza, Roberto Cláudio prometeu na campanha mundos e fundos, com entusiasmo e euforia, mas, ao final de um primeiro ano lamentável de gestão, não dá sequer o ar da graça e ainda atribui todos os embaraços à "herança maldita" da gestão anterior...    

EM ALTA

O progresso que o julgamento do "mensalão" representou no tocante à separação dos poderes. De uma coisa não podem reclamar os petistas que ainda procuram revolver o mérito do julgamento: dos 11 (onze) ministros do STF que definiram a condenação, 08 (oito) foram indicados pelo próprio governo do PT. Noutras épocas, dificilmente os ministros do STF condenariam quem os apadrinhou na nomeação do cargo. Ao PT devemos mais esse passo rumo ao aprimoramento das instituições brasileiras.

EM BAIXA

As críticas e contracríticas raivosas e desideologizadas à nova gestão de Coreaú, ambas notoriamente respaldadas na lógica da "farinha pouca, meu pirão primeiro", um velho ditado do tempo do cativeiro, como cantava Bezerra da Silva.

Meu Pirão Primeiro by Bezerra da Silva on Grooveshark

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

HISTÓRIA DE COREAÚ: LEONARDO PILDAS - 10 ANOS




Diário do Nordeste - 21.11.2003
"O escritor Leonardo Pildas está lançando 'História de Coreaú (1702 - 2002)', hoje, às 19h30min, no Centro Cultural Oboé. O livro resgata a memória de Coreaú, município no Norte do Ceará.
'História de Coreaú' é fruto de 18 anos de pesquisa, tendo como suporte as fontes primárias e secundárias, que foram consultadas em várias instituições no Ceará e em outros Estados da Federação. 'Tento resgatar a memória de minha cidade. O objetivo é mostrar, para os mais novos, que Coreaú tem um passado rico, com filhos ilustres, como Raimundo Gomes, um dos fundadores da Faculdade de Odontologia e Farmácia do Ceará, e o jornalista, advogado e escritor Aldo Prado', diz o autor.
O livro está dividido em 30 capítulos, onde são abordados desde a pré-história da região, quando era disputada entre os índios Tabajaras, Arariús e Aconguaçus até os tempos atuais - os registros fazem referência até o ano de 2002. O Município de Coreaú recebeu este nome em 1943. Antes, conforme se lê no livro, a cidade teve outras duas denominações, Várzea Grande (início do Século XVIII até 1870), e Palma, quando o povoado foi elevada a categoria de Vila. O nome Palma, segundo o autor, foi tirado da tradição, dos bolinhos de goma em forma de 'palma', popularmente chamados de broas.
A região do município de Coreaú começou a ser colonizada em 1702, quando o senhor Rodrigo da Costa Araújo recebeu a concessão de terras às margens do Rio. No livro, é possível também conhecer a história do Coreaú, que da sua nascente, na Serra da Ibiapaba, até a foz, no extremo Oeste do Ceará, banha diversas cidades do Estado, como Moraújo, Granja e Camocim. 'História de Coreaú' também aborda o patrimônio arquitetônico da cidade, destacando a Capela de Santo Antônio de Pádua do Olho D'água, de 1726. E não faltam relatos sobre pessoas ilustres que serviram ao município. 'O livro resgata a história eclesiástica, política e judiciária, com fotos dos juízes, padres e prefeitos da cidade'".

N.B.: A História de Coreaú (1702-2002), obra-prima do escritor Leonardo Pildas, é um feito que dignifica sobremaneira a cultura palmense. Fruto de dezoito anos de dedicação do autor, o livro traduz, com terna maestria e responsável devoção, a memória do município de Coreaú. Nossas congratulações pelo primeiro decênio!

sábado, 16 de novembro de 2013

O NOVO COMEÇO


Até o século XVIII, as revoluções políticas eram consideradas como "fases de uma circulação eterna das formas de governo" (Aristóteles). A partir daí, a revolução, num extraordinário progresso, teria deixado de ser um fenômeno "cíclico" ou uma fase na mudança de formas constitucionais sempre sujeitas a um retorno (o "eterno retorno" nietzschiano) para significar "novo começo" ou mudança para "uma forma de sociedade melhor", para o aperfeiçoamento da sociedade humana (Heberle).  
Tal mudança de perspectiva nutriu nos conservadores e reacionários de direita, sobretudo dos países desenvolvidos, um raivoso sentimento antirrevolucionário robustecido a partir de 1917, ano da revolução bolchevista na Rússia. Desde então, a direita tenta erguer um sentimento crítico, de revisão e reexame do conceito de revolução, apontando-lhe notadamente os aspectos nocivos, cujo resultado mais notório foi o aprimoramento em todos os países dos órgãos nacionais de segurança para a salvaguarda do status quo político e social, conforme Paulo Bonavides.   
No Brasil, a ascensão do Partido dos Trabalhadores à presidência da República, mesmo sem qualquer ruptura revolucionária, recrudesceu na elite conservadora, com reflexo na massa de manobra, um odioso sentimento voltado especialmente contra os líderes petistas.
A direita, ávida pelo "eterno retorno", resolveu demonstrar que o "novo começo", retratado no discurso ético petista, não passaria de falaciosa estratégia eleitoreira. Qualquer representante do novo governo que incorresse nas tradicionais práticas políticas fraudulentas – historicamente tratadas com inefável tolerância – seria punido exemplarmente com a severidade da lei.
Alguns representantes do governo petista caíram na tentação, recorrendo cedo e com surpreendente desembaraço às velhas práticas fraudulentas e ainda deixando um rastro de prova no caminho. Não tardou para que a revolta contra a corrupção falso moralista ecoasse Brasil afora. A corrupção sempre havia sido encarada com brandura, mas não a corrupção de um partido de esquerda com discurso moralista.
A oposição ao governo quer demonstrar, portanto, que não houve nada de "novo começo" e que o seu retorno ao poder é inerente ao fenômeno "cíclico" do processo político. Nesse sentido, aqueles que defendem cegamente os "mensaleiros", sob o discurso de que a corrupção sempre existiu, acabam  caindo no "canto da sereia", por não perceberem que o problema do "mensalão" não foi a corrupção em si, mas a incoerência do discurso moralista, voraz com os outros, mas tolerante consigo.    
Assim, ao invés de insistir no corporativismo cego, negando a evidência dos fatos, o PT deveria era aprender a cortar na própria carne, para, restabelecida a coerência entre o discurso e a prática, preservar o "novo começo", tornando-o um caminho sem volta, tendente ao aperfeiçoamento da sociedade brasileira.  

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

DIZEM QUE OS CÃES VÊEM COISAS



O cão que olha o marasmo da tarde,
Sentado ao chão duma esquina qualquer,
Não vê na rua nem home ou mulher
E sopra o vento e o sol quente arde.

Enquanto os homens em casa descansam,
Os cães calados ao nada observam.
Nem latem ou correm, ali se reservam;
Vão-se os segredos que vistas alcançam.

Errados, pensam que os cães não sabem
O que acontece, nem o que se passa;
Eis, no silêncio é que está a graça.

Ocorre aos cães no que ali lhes cabem
Ouvir o grito do tempo lá fora
Que corta as coisas, e a nós devora.

Benedito Gomes Rodrigues
Membro da APL

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

DEFENSORIA PÚBLICA NA VENEZUELA



"La Defensa Pública es un órgano del sistema de justicia que tiene como propósito fundamental, garantizar la tutela judicial efectiva del derecho constitucional a la defensa en las diversas áreas de su competencia. Nuestro servicio es gratuito y sin exclusión. Nuestras acciones se fundamentan en principios de justicia, honestidad, decoro, participación, celeridad, eficacia, eficiencia, transparencia, rendición de cuentas, disciplina, responsabilidad y obligatoriedad según las disposiciones legales vigentes y con preeminencia de los Derechos Humanos."

"A Defensoria Pública é um órgão do sistema de justiça que tem como objetivo principal garantir a tutela judicial efetiva do direito constitucional de defesa nas áreas de sua competência. Nosso serviço é gratuito e sem exclusão. Nossas ações se baseiam nos princípios da justiça, honestidade, decoro, participação, celeridade, eficácia, eficiência, transparência, prestação de contas, disciplina, responsabilidade e obrigação de acordo com as disposições legais em vigor e com a primazia dos direitos humanos." (livre tradução)

A diferença mais marcante entre a Defensoria Pública venezuelana e a brasileira é que, por lá, a Defensoria Pública é um serviço universal, disponível para qualquer cidadão, em condição de vulnerabilidade ou não, como o nosso Sistema Único de Saúde (SUS). No Brasil, no entanto, a assistência da Defensoria Pública é destinada especificamente para as pessoas necessitadas, compreendidas como aquelas com insuficiência de recursos, sejam econômicos, jurídicos ou organizacionais. 

domingo, 10 de novembro de 2013

MAOMÉ E O ISLÃ



"A Arábia daria a impressão de ser o que fora desde tempos imemoriais: o refúgio de pequenas e turbulentas tribos nômades. Nenhum povo semita fundara um império em mais de dois mil anos.  
Então, de súbito, os beduínos chamejaram num breve século de esplendor. Estenderam seu domínio e sua linguagem da Espanha às fronteiras da China. Deram ao mundo uma nova cultura. Criaram uma religião que segue sendo, nos dias de hoje, uma das forças mais vitais do mundo. 
O homem que inflamou a chama árabe surge na história como o jovem marido da viúva de um rico comerciante da cidade de Meca. Seu nome era Maomé. Até os quarenta anos, não fez nada que o distinguisse no mundo. Ao que parece, tinha um considerável interesse por discussões religiosas. Meca era uma cidade pagã naquele tempo, e venerava em particular uma pedra negra, a Caaba, célebre em toda a Europa e centro de peregrinações; mas existiam grandes quantidades de judeus na região – na verdade, todo o sul da Arábia professava a fé judaica – e havia igrejas cristãs na Síria.
Quando se aproximou dos quarenta anos, Maomé começou a desenvolver dons proféticos, como os dons exibidos pelos profetas hebreus doze séculos antes. Foi com sua esposa que ele primeiro falou sobre o Único Deus Verdadeiro, e sobre recompensas e punições para virtudes e perversidades. Não há como duvidar de que seus pensamentos foram fortemente influenciados por ideias judaicas e cristãs. Ele reuniu em torno de si um pequeno círculo de crentes e logo começou a pregar na cidade, criticando a idolatria predominante. Isso fez com que Maomé se tornasse extremamente impopular entre os habitantes da cidade, porque as peregrinações à Caaba eram a principal fonte de prosperidade de que Meca desfrutava. Ele ficou mais ousado e objetivo em sua pregação, declarando ser o último profeta escolhido por Deus, incumbido de uma missão de aperfeiçoar a religião. Abraão e Jesus Cristo, ele declarou, eram seus precursores. Ele fora escolhido para completar e aperfeiçoar a revelação da vontade de Deus.
Maomé compôs versos que lhe foram comunicados por um anjo, segundo afirmava, e teve uma estranha visão, na qual foi erguido aos Céus, até Deus, para ser instruído sobre sua missão.
À medida que sua pregação foi se tornando mais intensa, a hostilidade dos habitantes de Meca também se intensificou. Surgiu uma conspiração para matá-lo; mas ele fugiu com seu fiel amigo e discípulo Abu Bakr para a cidade de Medina, que o recebeu bem e adotou sua doutrina. Seguiram-se hostilidades entre Meca e Medina, e por fim houve um tratado de paz. Meca adotaria a veneração do Único Deus Verdadeiro e aceitaria Maomé como seu profeta, mas os adeptos da nova fé deveriam continuar fazendo a peregrinação para Meca, a mesma que costumavam fazer quando eram pagãos. Assim, Maomé instituiu o Único Deus Verdadeiro em Meca, sem prejudicar o tráfego de peregrinos. Em 629, ele retornou a Meca na condição de líder, um ano após ter sido enviado seus mensageiros ao encontro de Heráclio, Tai Tsung, Kavadh e todos os governantes da Terra. 
Então, por quatro anos, até morrer em 632, Maomé estendeu seu poder por todo o resto da Arábia. Ele se casou com várias mulheres em seus últimos anos, e sua vida como um todo, segundo os padrões modernos, não foi edificante. Maomé parece ter sido um homem repleto de vaidade, ganância, astúcia e autoengano, imbuído de uma paixão religiosa bastante sincera. Ditou um livro de prescrições e esclarecimentos, o Corão, que lhe foi comunicado por Deus, segundo declarou. Encarado ou como literatura ou como filosofia, o Corão certamente não está à altura de sua suposta autoria divina. 
No entanto, quando os defeitos evidentes da vida e dos escritos de Maomé são deixados de lado, o islamismo, a fé que ele impôs aos árabes, demonstra ter muita força e inspiração. Uma de suas forças é o monoteísmo intransigente, sua fé simples e entusiasmada na soberania e na paternidade de Deus; é uma fé livre de complicações teológicas. Outra é seu afastamento absoluto dos templos e sacerdotes sacrificiais. É uma religião inteiramente profética, à prova de qualquer possibilidade de uma recaída em sacrifícios de sangue. No Corão, a natureza limitada e cerimonial da peregrinação a Meca é afirmada além de qualquer possibilidade de contestação, e Maomé tomou todas as precauções para que não fosse deificado após sua morte. Um terceiro elemento poderoso reside na insistência do islamismo quanto à perfeita irmandade e igualdade de todos os crentes perante Deus, não importando a cor, a origem ou a posição social.
São esses os fatores que fizeram do Islã uma força nas relações humanas. Já foi dito que o verdadeiro fundador do Império Islâmico não foi tanto Maomé, e sim seu amigo e ajudante Abu Bakr. Se Maomé, com sua personalidade volúvel, foi a mente e a imaginação por trás do islamismo primitivo, Abu Bakr foi sua consciência e sua vontade. Nos momentos em que Maomé vacilou, Abu Bakr lhe deu auxílio. E quando Maomé morreu, Abu Bakr se tornou califa (sucessor) e, com a fé que move montanhas, dedicou-se com simplicidade e sensatez a organizar a subjugação de todo o mundo em nome de Alá – com pequenos exércitos de 3 ou 4 mil árabes –, de acordo com as cartas que o profeta escrevera em 628, de Medina, para todos os monarcas do mundo."
(H. G. Wells. Uma Breve História do Mundo. L&PM Pocket. pp. 203/206)   

sábado, 9 de novembro de 2013

BIOGRAFIAS


Tom Jobim dizia que: "No Brasil, sucesso é ofensa pessoal." De fato, há, entre nós, lamentável tendência ao menosprezo dos nossos talentos mais notórios, por razões absolutamente alheias às suas respectivas artes. Pelé, ultimamente, vem sendo mais reconhecido pela estupidez de suas palavras do que pelos lances memoráveis que protagonizou em campo. Há quem nutra verdadeira ojeriza pela música de Roberto Carlos, por conta da possível condescendência do cantor com a ditadura militar. A obra de Niemeyer é estigmatizada por parcela considerável da elite conservadora, devido ao declarado comunismo do genial arquiteto...
Parece que, por cá, sempre se está à procura de um defeito que ofusque o talento alheio; defeito que, via de regra, nada diz com a arte em si do sujeito, mas com suas inclinações e imperfeições pessoais ou mesmo tendências ideológicas.
Maradona seguiu aclamado na Argentina, como gênio do futebol que foi, apesar do seu drama com as drogas, da sua amizade com Fidel Castro e da sua personalidade irascível. Uma pessoa pública nossa em condições semelhantes seria hostilizada e tratada simplesmente com deboche, piada e caricatura, mesmo que fosse o maior jogador do nosso futebol.
Agora, no episódio das biografias não autorizadas, já não falta quem diga que Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Milton Nascimento, dentre outros, depois de lutarem contra a censura durante a ditadura militar, teriam virado censores, por entenderem necessária a autorização prévia para a publicação de suas biografias.
A Constituição Federal dispõe, dentre os direitos fundamentais, a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5º, inciso IX). Não há, portanto, juridicamente, como proibir, de antemão, a publicação de um livro, mesmo daquele que exponha a vida pessoal de alguém. Se houver danos, especialmente morais e à imagem, a saía é a ação judicial, a ser proposta depois da publicação, para a retirada de circulação e para a reparação dos danos em dinheiro.
De todo modo, trata-se de matéria complexa, que toca em questões de intimidade e vida privada, de pessoas ainda vivas, receosas de possíveis biógrafos antiéticos. Afinal, depois da publicação de uma particularidade constrangedora, a sua retirada ulterior de circulação e a eventual reparação do dano em dinheiro não passam de mero arremedo de um mal indelével à honra da pessoa.
Há o desejo desses artistas, sem respaldo jurídico, de terem o controle prévio do conteúdo de suas biografias, talvez também no propósito de participarem do lucro das vendas, algo decerto equivocado e possivelmente interesseiro, mas de forma alguma com aptidão para rotular expoentes como Chico, Gil, Caetano e Milton com a pecha de censor. 

domingo, 3 de novembro de 2013

DE VOLTA PRA CASA


Precisava chegar à Palma antes da festa de setembro. O casamento estava marcado. Se não chegasse a tempo, a noiva iria matá-lo. Estivera em Brasília somente para arrumar um pé de meia. Detestava o clima seco e o trabalho de fiscal de descarga. Terminada a obra, partiu ansioso no primeiro ônibus que seguia rumo ao norte, da rodoviária ainda em construção. 
Depois de algumas horas por uma estrada de terra empoeirada do Estado de Goiás, o ônibus parou abruptamente e uma nuvem de fumaça negra, aliada à expressão de desalento do motorista, anunciou o fim da jornada do velho veículo. Estavam perto de Dianópolis, talvez a uma hora de viagem, mas a espera pelo resgate seria longa. Zito resolveu seguir em frente, a pé mesmo, no afã de chegar à cidade antes do dia clarear. Haveria ônibus partindo às sete de Dianópolis com destino ao Ceará. Se apertasse o passo, seria possível apanhá-lo.    
Com a maleta no ombro, seguiu resoluto pela estrada comprida, na penumbra da lua crescente. Tirante um uivo de raposa e um piado de coruja no mato, não deu fé de outro sinal de vida. Somente depois de quase duas horas de caminhada topou com um vulto vivo. Era um índio solitário que cruzava a estrada de retorno para a aldeia. 
– Boa noite, parente! 
– Caboco tá desorientado! Num é boa noite, é bom dia! Falou irônico o velho índio, com um caçuá nas costas, seguindo indiferente sua trilha.  
Devia mesmo passar da meia-noite. Precisava ir mais rápido, a despeito do cansaço. Muitas léguas de caminhada à frente, com a barra do dia já surgindo no horizonte, resolveu descansar uns minutos, deitado no chão, sobre a toalha nova que trazia na bagagem, com um lençol dobrado como travesseiro.  
Tamanha era a fadiga que não conseguiu evitar um breve cochilo. Quando abriu os olhos, surpreendeu-se com a falta da maleta que deixara do lado. Não era possível! Tudo o que possuía estava guardado naquela maleta. O dinheiro economizado ao longo de dois anos de trabalho árduo, roupas, documentos, cordão de ouro... Como iria casar? Estava perdido! 
Atordoado ainda, seguiu cambaleante pela estrada. Até que, alguns metros à frente, avistou um sujeito sentado na beira da estrada, revolvendo uma maleta que logo percebeu ser a sua.  
– Devolve a minha mala, vagabundo!
– Achado não é roubado! Disse o sujeito mal-encarado, já se armando de uma faca.
Zito não hesitou, apanhou uma pedra grande do chão e partiu para recuperar seus pertences.
Esquivou-se do primeiro golpe, rebateu com a pedra a segunda investida, segurou o pulso armado do agressor e, ao final, rolando no chão, desferiu-lhe na nuca uma pedrada firme. O rastro de sangue escorreu até o lugar das coisas em desordem.
Zito refez a mala, retirou o cordão do pescoço do homem desmaiado, o dinheiro do seu bolso, pôs a faca na cintura e seguiu apressado pela estrada.
Faltavam quinze minutos para as sete da manhã e Zito já se acomodara no ônibus que partia da rodoviária de Dianópolis para o Ceará. No banco de trás, dois sujeitos comentavam a fuga da cadeia no dia anterior de um dos mais famigerados facínoras da região. Condenado por muitos assassinatos, Coringa estava solto para promover mais carnificina.  
Zito não teve dúvida. As características descritas correspondiam às do sujeito com quem lutara há pouco. Enfrentara a faca assassina com uma simples pedra na mão...
Melhor o ônibus seguir viagem. Teria sido um mero desmaio? Uma ambulância passou veloz com a sirene ligada. Uma viatura da polícia seguiu atrás. Deviam ter encontrado Coringa. Dois policiais começaram a revistar uns passageiros suspeitos na rodoviária. Depois de mais alguns minutos angustiantes, o ônibus enfim partiu.    
– Valei-me Nossa Senhora da Piedade!