domingo, 29 de abril de 2018

DONA RAIMUNDA


Morava sozinha naquela casa estreita. O tempo havia passado. A idade avançada impunha limitações. Pedia um menino para comprar o gás. Não se acostumara à luz elétrica. Preferia a lamparina durante a noite. Sentava na calçada no fim da tarde e somente se levantava para dormir. Não casara. Não tivera filho. A vida passara depressa. Ainda ontem, menina, corria livre na fazenda. Hoje vivia do aposento, já quase aos oitenta. Ensinou muitas gerações da cidade. Chegou pequena na rua. Aos quinze um amigo lhe propôs casamento. Era muito cedo. Precisava estudar. Não falou mais com ele depois da proposta. O tempo passou e não vieram novas propostas. Não queria ser como a mãe. Queria ser independente. Acabou sendo. Fora uma professora respeitada. Ocupara muitos cargos. Não se arrependia de nada. Cada um segue seu caminho. Não se sentia solitária. Tinha seus gatos, a vizinha amiga, uma prima que vinha visitá-la. Gostava de ver o retrato de formatura na parede. Os certificados emoldurados ao redor. Nunca pensou viver sob as asas de um homem. Durante um tempo pensou em criar um filho, mas o tempo era pouco e foi protelando a ideia. Quando a idade foi chegando, os problemas de saúde foram aparecendo e a ideia de adotar uma criança foi esquecida. Vivia feliz. Todo sábado ia à missa. Ouvia rádio na madrugada. Fazia a própria comida. Precisava de muito pouco. Não fossem os remédios sobraria dinheiro. Gostava de varrer a casa ouvindo música do seu tempo; varria a calçada, o quintal e a rua. Às cinco, já estava desperta para receber o padeiro... 

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