sábado, 28 de março de 2015

MORTE E VIDA


O dia começara quente sob o céu limpo do começo de agosto. Fazia dois meses da última chuva. Era preciso trabalhar a terra para o outro ano. Benedito Tonho pôs a enxada no ombro, segurou o laço da cabaça e se dirigiu sozinho para o roçado. Estava contente com a decisão da Justiça. Depois de tanta luta, a causa foi decidida de maneira justa, em favor do mais pobre. A terra era do povo, era da comunidade, era do agricultor que a cultivava há tantos anos. Estava feliz e aliviado. Valera a pena toda a luta. Agora contava até com uma sentença da Justiça. Ninguém ia mais ter coragem de dizer que era dono da terra alheia. Um papel carimbado da Justiça resolvia muita coisa. 
 As coisas só acontecem quando a gente faz as coisas acontecerem! 
O suor escorria na testa debaixo do seu chapéu de palha. Uma brisa leve amenizava o calor da manhã ensolarada. Dois bigodeiros cantavam num cajueiro e um urubu vagava no céu azul. O sertão estava verde depois do inverno regular. Benedito Tonho assobiava pensativo, enquanto aparava com a foice o excesso de mato da coivara. À noite haveria encontro da Pastoral da Terra com o pessoal das CEBs na comunidade. Era preciso discutir alguns pontos, reordenar o passo, encaminhar novos projetos. A luta do povo precisava continuar, sem medo. No final tudo se acertava. A justiça acabava prevalecendo.
 Morrer na luta é heroísmo! Fugir da luta é covardia!
De repente, o coro de cigarras cessou. Uma nuvem negra escondeu o sol do sertão e suspendeu a brisa até então amena. Na porteira, apareceu um homem desconhecido, que entrou no cercado lentamente em direção a Benedito Tonho.
Quando avistou o sujeito a poucos metros de si, parado, Benedito Tonho fez questão de saudá-lo.
 Olá, camarada! No que posso servi-lo?
 Você que é o Benedito Tonho?!
 Sou, sim, companheiro!
Cinco tiros romperam o silêncio da capoeira. Benedito Tonho escutou os dois primeiros e sentiu imediatamente um aperto no peito e um gosto de sangue na boca. Com a face encostada na terra e os dedos cravados no chão, muitos pensamentos ainda lhe percorreram a mente enquanto os sentidos se esvaíam pouco a pouco.
Pensou na mulher e nos meninos pequenos, no inverno do próximo ano, nos encontros da comunidade, na luta popular por direito, na igreja dos pobres... Antes do último suspiro, ainda balbuciou:
 Companheiros, não desistam jamais de lutar!
De repente, ergueu-se como um espectro e observou seu corpo estirado no chão e um homem correndo em fuga. Avistou também vários anjos em sua volta. Almas de pessoas que, como ele, haviam tombado na luta contra as injustiças sociais. Espíritos obsequiosos que o saudaram com efusão e o acompanharam, de mãos dadas, por uma estrada de luz. 

Um comentário:

Galba Gomes disse...

o artigo do Eliton Meneses, Tocante e real conto da triste realidade da terra no nosso país nunca resolvido. A questão agrária permanece insolúvel desde o Império. Pouco mudou, talvez para pior em algumas ciscunstâncias diante da agricultura mecanizada e competitiva, que tirou o espaço da agricultura familiar e de subexistencia
Galba Gomes