domingo, 24 de agosto de 2014

CAMINHO DA PRAIA



O dia ainda nem havia raiado quando Edmundo deu a partida da tropa. O comboio de oito burros e dois homens começava cedo sua jornada com destino à praia. Nos fardos e caçuás levavam rapadura, beiju e bolo manzape. Zé Bezerra estava com a saúde frágil. Depois de muitos anos de estrada, pensava em largar a lida do comboio. O terceiro ano seguido de seca castigava o sertão. Não fosse o verde da Ibiapaba, tudo estaria perdido. A mercadoria que descia da Serra Grande tinha um preço alto.
O caminho era longo. Dois dias de caminhada lenta. Da Palma seguiam pela Volta, Padre Linhares, Massapê, Santana do Acaraú, Marco, Bela Cruz, Cruz, até chegar no Acaraú. Era o caminho da praia.
No começo da jornada passaram por uma frente de emergência perto do Breguedof, mais à frente avistaram a pouca água do Açude da Volta, almoçaram sob a copa frondosa de um pé de umbu em Padre Linhares e, depois de um rápido cochilo, seguiram no sol a pino da tarde pela vereda estreita, escutando o canto estridente da cigarra.
Com a noite escura, arrancharam na fazenda de Seu Romualdo, entre Santana e o Marco. Seu Romualdo mantinha a hospitalidade, embora, desde a morte de Dona Maria e a ida dos filhos para Sobral, andasse meio desgostoso da vida. Na fazenda do velho amigo, os comboieiros ainda desfrutavam do jantar farto, cujo arremate era sempre um prato de coalhada com um pouco de farinha e açúcar. Não havia pagamento. Edmundo deixava umas rapaduras e uns beijus só como agrado.
Os comboieiros dormiam no alpendre até o cantar dos galos. Tomavam, então, um café quente e seguiam pela estrada silenciosa. No final do dia alcançariam a praia. No Acaraú, o comércio minguado só adquiria a mercadoria depois de muita negociação. O lucro era pouco. Levariam uns peixes na viagem de volta. Dariam uns quilos para Seu Romualdo.
Os comboieiros não sabiam que Seu Romualdo tinha falecido na noite seguinte àquela em que eles dormiram na fazenda. Eles não sabiam ainda que as pernas de Zé Bezerra não lhe permitiriam realizar uma nova jornada pela estrada da praia. Não sabiam também que aquele retorno para a Palma seria a derradeira jornada da tropa de Edmundo. Não sabiam que aqueles seriam os últimos passos do ciclo do comboio da região. 

Um comentário:

Galba Gomes disse...

Crônica do cotidiano muito agradável de ler. Fosse Diretor de um Jornal ou Revista, estaria contratado.