sábado, 11 de junho de 2022

Antônio Raposo

 

Saí de casa há quase trinta anos; até os quinze morei em Coreaú. Mesmo vivendo quase o dobro do tempo fora, jamais consegui encontrar tantas figuras humanas como as encontrei em Coreaú nos meus primeiros quinze anos de vida. Lázaro, Vicente Portela, Cordeiro, Chico da Águeda, Vicente Alfredo... Eram os adultos do meu tempo de menino, homens do povo, marcantes, cada qual com sua idiossincrasia. Com cada um deles tive momentos, ainda que breves, indeléveis. Lázaro me tratava de igual para igual mesmo tendo quarenta anos e eu, dez; Vicente Portela me tratava por Bafafá, desde que nasci, e fazia questão de me cumprimentar todo santo dia, estivesse eu dentro ou fora de casa; Cordeiro sempre me enchia de insultos na sua oficina de sandálias de couro, sabendo que eu, na minha fleuma de menino tímido, seguiria calado com meus peixes; Chico da Águeda um dia me perguntou se a Terra era redonda e ficou calado quando apontei para a lua crescente e disse que aquela sombra arredondada na lua era o reflexo da Terra; caminhei lado a lado um dia chuvoso com Vicente Alfredo enquanto ele calculava a quantas léguas ficavam as cabeceiras do Rio Coreaú... Todos eles infelizmente já se foram. Ontem mais um desses cardeais do meu imaginário pueril foi habitar o plano da memória. Seu Antônio Raposo, o cardeal mais simpático, mais humilde e mais amável que a Palma já conheceu. Com um sorriso permanente no rosto, sempre que passava lá por casa trocava um dedo de prosa: — Como vai, Machin? [...] Ao saber de sua morte, bateu uma tristeza. Como a vida é efêmera! Como quase todos os pilares da minha aldeia imaginária já não estão mais entre nós! Como o mundo fica mais pobre sem o sorriso do Seu Antônio Raposo! Requiescat in pace, homo aeternae laetitiae!            

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