domingo, 31 de maio de 2015

ANTOLOGIA POÉTICA


I. À INSTABILIDADE DAS COUSAS DO MUNDO

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.

(Gregório de Matos)

II. SENTIMENTO DO MUNDO

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais noite que a noite.

(Carlos Drummond de Andrade)

ALTOS E BAIXOS


EM ALTA

O ataque que finalmente se faz à corrupção da Fifa e de suas afiliadas, conquanto despertado por interesses escusos dos Estados Unidos e da Inglaterra.

EM BAIXA

O movimento reacionário pró-impeachment, que Freud explica; afinal, o inconsciente é mui revelador: protestar contra a corrupção vestido com a camisa da Seleção da CBF (um dos pilares da Fifa) diz muito sobre a "coerência" do militante...

EM ALTA

A atuação pró-ativa da Defensoria Pública na crise da saúde no Estado do Ceará, respaldada na recente decisão do Supremo Tribunal Federal que ratificou a legitimidade da instituição para atuar nas ações coletivas (ADI 3943, Pleno, unânime, em 07.05.2015).

EM BAIXA

O PSDB, DEM, PMDB e PP – na Câmara dos Deputados – votaram, em bloco, a favor das doações de empresas para as campanhas eleitorais... Tem moral essa gente para falar de corrupção?

sábado, 30 de maio de 2015

COMUNA JACINTA SOUSA




MÃOS DADAS

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

(Carlos Drummond de Andrade)

segunda-feira, 25 de maio de 2015

BAFAFÁ


Conta-se que, num desses encontros entre Ceará e Paysandu, em Belém do Pará, nos idos da década de 70, o ponta esquerda Bafafá, do alvinegro cearense, havia arrebentado na partida; além do passe para o primeiro gol, sofreu pênalti e ainda fez o gol da virada, numa pintura antológica.
Ao final do jogo, o ainda eufórico atleta foi entrevistado por uma rádio local.
– Vamos falar aqui com o nome do jogo! E, então, Bafafá, sentimento de dever cumprido?
– É isso aí! Tarde inspirada! Agora é agradecer a Deus, principalmente jogando aqui, em Belém do Pará, cidade que Jesus Cristo nasceu...
– Mas, Bafafá, Jesus não nasceu aqui em Belém!
– Não?! Mas morreu em Jerusalém, que é aqui por perto...

sexta-feira, 22 de maio de 2015

PATRULHAMENTO IDEOLÓGICO


A Constituição Federal exige basicamente o preenchimento de 02 (dois) requisitos pelo indicado ao Supremo Tribunal Federal: 1) notável saber jurídico e 2) reputação ilibada (art. 101 da CF/88). A sabatina no Senado Federal é um ato destinado, essencialmente, à aferição desses requisitos. Dos 27 (vinte e sete) senadores que votaram contra a nomeação do jurista Luiz Fachin, quase todos lhe reconheceram publicamente o notável saber jurídico e a reputação ilibada aptos a credenciá-lo ao STF, mas votaram contra a indicação simplesmente por conta de suas convicções ideológicas. Para esses 27 senadores, o cargo de ministro do STF exige doravante um novo requisito, que é o perfil conservador do candidato, ou seja, se o sujeito for progressista, não presta para o Supremo... Ao longo de toda a nossa história, a sabatina do Senado não passou de um ato meramente pro forma; agora, num passe de mágica, o Senado resolveu se impor, não – como seria desejável – aferindo com rigor os critérios exigidos pela Constituição, mas promovendo um patrulhamento ideológico indecoroso e inconstitucional.

terça-feira, 19 de maio de 2015

INTERVENÇÃO MILITAR É... CRIME!


O sujeito, muitas vezes ordeiro e bonus pater familias, que apregoa a intervenção militar, além de um profundo desconhecimento histórico, revela ainda um desconhecimento jurídico elementar, posto que pratica (talvez sem o saber) apologia a um crime que a Constituição Federal considera inafiançável e imprescritível, consistente na ação armada de grupos, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5.º, inciso XLIV, CF/88).

P.S.: Uma leitura superficial da nossa Constituição Federal aplacaria muitos debates já superados há décadas (alguns até há séculos), especialmente em matéria de direitos e garantias sociais e individuais, que teimam em proliferar nas redes sociais como se estivessem na ordem do dia. Eis a Constituição Federal de 1988 atualizada, cujos artigos 1.º ao 11 são particularmente relevantes: Constituição Federal 

IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS


O imposto sobre grandes fortunas está previsto na Constituição Federal, à espera de lei complementar que o regulamente (art. 157, VII, CF/88). Por que será tão difícil regulamentá-lo? Por que será que um projeto de lei nesse sentido, já aprovado no Senado, está parado na Câmara desde 1989? Por que a conta da crise tem que ser paga pelo trabalhador? Por que será que o sujeito passivo do IGF – 1% dos mais ricos, detentor de 25% de toda a riqueza do país – permanece isento durante tanto tempo?

segunda-feira, 11 de maio de 2015

FRIDA KAHLO

Jovem mestiça latina;
Bela dama multicores;
Foi na vida maestrina,
Apesar de tantas dores.
Fez da arte esperança;
Ensaiou a livre dança;
Semeou novos valores.
Em tempo tão desigual,
Muito além do habitual, 
Assumiu os seus amores.

Geniosa alma humana;
Filha do povo oprimido;
Não seguiu a caravana;
Engoliu muito gemido.
Mesmo na cama deitada,
Não se fez de derrotada,
Velando o filho perdido.
Inda em meio à solidão,
Às voltas com a traição,
Pintou seu drama vivido.

Eliton Meneses

domingo, 10 de maio de 2015

DEFENSORIA PÚBLICA E AÇÃO CIVIL PÚBLICA



O Supremo Tribunal Federal acaba de confirmar: a Defensoria Pública possui legitimidade para propor ação civil pública (ADI 3943, Plenário, unânime, em 07.05.2015).
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 3943 foi proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público contra o inciso II do art. 5.º da Lei 7.347/85 (com redação dada pela Lei 11.448/2007), que incluiu a Defensoria Pública dentre os legitimados para propor ação civil pública.
O voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, entendeu que o aumento das atribuições da instituição amplia o acesso à Justiça e é perfeitamente compatível com a Lei Complementar 132/2009 e com as alterações à Constituição Federal promovidas pela Emenda Constitucional 80/2014, que estenderam as atribuições da Defensoria Pública e incluíram a de propor ação civil pública.
A ministra salientou que, além de constitucional, a inclusão taxativa da defesa dos direitos coletivos no rol de atribuições da Defensoria Pública é coerente com as crescentes demandas sociais e a nova tendência de se garantir e ampliar o acesso à Justiça, ressaltando, ainda, que o Supremo Tribunal Federal tem atuado para garantir à Defensoria Pública papel de relevância como instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado.

Fonte: Supremo Tribunal Federal

Obs.: Em se tratando de Defensoria Pública e de inclusão social de modo geral, neste país ainda tão marcado por cinco séculos de autoritarismo e desigualdade, até o óbvio ululante precisa previamente ser proclamado pelo STF para começar (plenamente) a valer.