quinta-feira, 24 de abril de 2008

De todas essas andanças
Não me restou quase nada:
Só um velho carcomido,
Carregado de lembrança
E um punhado de saudade.
Nasci em véspera de mudança,
De nômade acabei sedentário,
Trazendo pedaços de verdade,
Errante em sinuoso itinerário.
Na lida do eito nunca laborei.
Por herança me fiei na pescaria.
Na água turva do açude hesitei:
Pau nascido torto, torto morreria.
No rádio tocavam modas antigas,
No céu prenúncio de sólido verão,
Mamãe me ninava tristes cantigas,
Desde criança me seguiu a solidão.
Indo embora para a Palma,
À Volta não mais regressei,
Na beira do açude talhei minha alma,
Amigos e parentes para sempre deixei.
Lembranças não ficam sempre conosco,
Vêm e se vão sem nem perguntar...
Há sabido caindo no fundo do poço,
Há estúpido fugindo do seu limiar.

sábado, 12 de abril de 2008

ATRAVESSANDO O MAL DO SÉCULO

Não estou cansado da vida,
A vida é que está cansada de mim.
Me seduzi por atrações banais,
Futilidades que ainda me atraem,
Me furtam um sorriso insosso e se vão.
Não adianta dissimular, estou esgotado.
Não sei o quanto resistirei,
Ainda que assegure lutar até o fim;
Afinal, o fim é o nada que nos persegue,
A curva de uma rua deserta.
Mas não tenho medo da rua,
Nem de caminhos desertos.
Eu temo mesmo é a vida dolorosa,
O desamor que me pode cercar.
Nem a arte mais me consegue alentar,
Nem o vento que varre a minha face...
Não hei de publicar livro algum.
Quem perderia tempo com lamentações?
Não adianta, leitores de um escritor natimorto,
Vão-se, muitos outros lhes esperam!
Não percam tempo precioso comigo.
Não tenho nada a lhes oferecer.
Meus lamentos não lhes servem,
Seus consolos tampouco servem a mim;
Portanto, podem ir, eis o seu caminho!
Eu fico a admirar-lhes os passos certeiros.
Os meus são incertos, claudicantes amiúde.
Não quero tomar o tempo de ninguém, sigam!
Ainda que só para me deixar em paz!
Vão-se, me deixem padecer sozinho.
Não se detenham, os despropósitos aparecerão.
Poderei lhes espraguejar gratuitamente.
Deixem-me ficar com a consciência tranqüila,
Por não lhes lançar impropérios desmerecidos.
Meu tédio é intenso, minha fadiga danada.
Inteligência? Emocional? - Não sei do que se trata!
Me desespero facilmente, desproposito.
Não quero nada, peço apenas que me larguem,
Ainda que ninguém me esteja tocando.
Não quero olhares esquivos, nem braço a me erguer.
Prefiro ficar deitado, com olhar vago no céu,
A seguir torto esse caminho, a cair ao longo da estrada.
Ou talvez não! Se Deus ajudar, ainda poderei caminhar,
Sentir ainda um ar fresco, um rio de águas cristalinas.
Irei ganhando forças, pelo caminho sinuoso que escolhi.
Caminho árduo, mas se o reputo acertado, hei de segui-lo.
Depositando minha esperança breve nesse caminho longo!
Nos compram o que temos
Disponível para vender.
Nos compram o trabalho
E pedaços do frágil viver.
Nos deixando segregados,
Companheiros da saudade,
Petulantes, seguem adiante,
Sequiosos, assumem rompante,
Atalhando nosssa hombridade.