domingo, 15 de janeiro de 2017

O POETA


Folheando um livreto, o indolente rapaz perguntou ao dono da livraria: 
– O senhor leu o meu trabalho?
– Ainda não! – Respondeu friamente o livreiro, com cara de quem não entendera a pergunta.
Parecia sob efeito de um sossega-leão. Tinha movimentos lentos e olhar vazio. Parecia familiar. Algum colega de estudo. Difícil recordar. Baixo, cabelo grisalho, um bucho que era uma coisa medonha... No caixa, mais de perto, deu para notar que tinha uns quarenta anos e que não parecia regular bem do juízo. Não obstante um vago ar de bem-nascido, a roupa era surrada e o suor exalava um cheiro desagradável.
Na fila do caixa, esbarrou em mim, pediu desculpas e, olhando-me nos olhos, disse:
– Acho que já nos conhecemos, não?!
– Também lhe achei familiar.
– Da Faculdade de Direito...
– Ah, da Faculdade de Direito! Lembro-me agora! Seu nome é...
Não era possível! Aquele sujeito que cantarolava sozinho "As Curvas da Estrada de Santos" no intervalo: "Se você pretende saber quem eu sou...". Quanta diferença! Não era um aluno brilhante. Parecia mesmo alheio ao Direito. Interessava-lhe mais a poesia já naquela época. Encontrei-o nos primeiros semestres. Não sei se concluiu o curso.
– Evaldo. 
– Ah, Evaldo. Esqueci o nome, não a pessoa! Ainda faz poesia, amigo?
– Sim. Este livro que estou comprando é de minha autoria. Chama-se: "À sombra do cajueiro." Muito bom. Este era o último disponível numa livraria. A edição acaba de se esgotar.
– Muito interessante. Você teve a sorte de esgotar o seu próprio livro...
– Mas a situação não é fácil, amigo. Pouca gente lê. As editoras não se preocupam com poesia de qualidade. Temos que mendigar nas livrarias. Essa gente só pensa no lucro.
– Você tem outros livros publicados?
– Enviei dois para várias editoras, mas até agora não tive resposta. Por enquanto só mesmo "À sombra do cajueiro." Aliás, tome, dê um olhada!
O livro tinha apenas setenta e oito páginas. Os versos não passavam de umas poucas palavras enfileiradas na vertical, sem métrica, sem rima e sem musicalidade, confusos que nem a cabeça do autor.
Devolvi-o e pensei em perguntar sobre uma possível atividade jurídica do poeta, mas relutei.
– Onde você mora, poeta?
– No Cocó.
– Ah, moro aqui perto. 
O Cocó é a área mais cara da cidade. Devia morar com os pais, pensei.  Normalmente os ex-colegas de faculdade só contam vantagem. Evaldo era o primeiro a contar dificuldades. Estava precocemente velho, muito gordo e com o juízo em frangalhos.

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