sábado, 28 de maio de 2016

CULTURA DO ESTUPRO



O policial retirou-lhe as algemas, deixou-o no pátio e anunciou:
– Carne fresca, galera! 
Contava dezoito anos e três meses, era pequeno, magro e mal-encarado. Há poucas horas havia estuprado e matado a pedradas uma sobrinha de sete anos. A atrocidade havia causado ampla comoção social; os presos da penitenciária sabiam do ocorrido e já aguardavam com ansiedade a chegada do maníaco.  
Um grupo sedento de presos se aproximou, conduziu o recém-chegado a um poste, amarraram-no e formou-se uma fila. 
O primeiro da enorme fila era o famigerado Coca Cola; o segundo, Fanta Litro; o terceiro, Anaconda... Eram mais de trinta, homicidas, latrocidas, traficantes, assaltantes, por ordem decrescente de tamanho...  
No décimo segundo algoz, depois de meia hora de gritos desesperados, o novato silenciou. Alguns pretendiam continuar, mas Coca Cola ordenou que todos se recolhessem em suas celas. Uma hora depois, a ambulância recolheu a vítima desfalecida para a perícia. 
Nos autos do processo, fotografias revelavam o estrago que haviam feito. Todos estavam perplexos. A perversidade às vezes atinge limites sequer imagináveis. Ainda assim, o pequeno facínora não se deixava abater. Na audiência de instrução e julgamento, apresentava ar altivo e ameaçador. Parecia disposto a devorar qualquer outro semelhante que lhe cruzasse o caminho. Não lhe intimidava o juiz, o promotor, os muitos policiais que o conduziam, todos pareciam não mais que meras vítimas em potencial de mais um crime bárbaro.    
– À primeira pergunta do juiz, respondeu com uma cuspida que atingiu em cheio o rosto do magistrado. 
A audiência teria terminado não fosse a surpreendente fleuma do jovem juiz, que retirou do bolso um lenço branco e limpou-se de modo sereno e inabalável.
– Por que você fez isso?
– Porque deu vontade!
– Faz tudo que tem vontade?
– Tudo que está ao meu alcance!
– Tem vontade de me matar?
– Estou apenas lhe testando...
– O que lhe faz acreditar que tenho medo de você?
– O seu olhar assustado!
– Tem certeza que estou assustado?
– Sim. Mesmo tentando dissimular.
– O que lhe faz estuprar e matar uma criança de sete anos?
– Descubra você mesmo!
– Quem é você?
– Descubra você mesmo!
– Está arrependido do que fez?!
– Não.
– Achou justo o que os presos lhe fizeram?
– Sim.
– Acha que o mal se combate com outro mal?
– Sim.
– Talvez seja esse o seu problema...

Nenhum comentário: