segunda-feira, 21 de julho de 2014

ELUCUBRAÇÕES CEREBRINAS



João Santos da Rocha era um poço de desilusão. Julgava-se um fracasso em tudo na vida. Tinha trabalho, dois diplomas, amigos, casa própria, carro novo na garagem, contas pagas, mas tudo no mundo o entediava. Dividia a casa com Calçado, seu confidente cachorro vira-latas. Depois que flagrou a namorada de infância aos beijos com o desafeto da escola, resolveu nunca mais confiar nas mulheres. Quando a insônia e a falta de apetite se lhe apresentaram no rosto encarquilhado refletido no espelho, procurou finalmente se aconselhar com um colega de trabalho.  
– O que você acha que eu devo fazer, Cardoso? 
– Tá na hora de tu arranjar uma mulher, homem! 
João julgava que uma mulher seria mais um agravo do que uma solução para os seus problemas. Teve contrariado que se socorrer de um médico, que, com o resultado dos exames, lhe prescreveu um calmante natural, a mudança de hábitos e uma dieta macrobiótica. 
Depois de uma leve melhora, as inquietações medonhas recrudesceram. Quando soube que Calçado fora acometido pela hidrofobia e que devia ser sacrificado, começou a nutrir a ideia de seguir o mesmo destino do seu sorumbático animal de estimação.   
Com a licença médica no emprego, pôs-se a caminhar dia e noite detido em devaneios e elucubrações cerebrinas. Seu mundo era um labirinto indecifrável, cinzento, sem cheiro e sem sabor. Desejava dar cabo àquele sofrimento sem fim. 
Certo dia tomou coragem e armou uma corda na goiabeira do quintal. Foi ao banheiro, encarou seu rosto sofrido no espelho, respirou fundo e, antes de cruzar a soleira, abandonou o plano suicida, ao avistar Calçado solto no quintal, debatendo-se num acesso furioso da hidrofobia, e ficar com medo de levar uma mordida do animal...    
João Santos da Rocha procurava respostas para suas muitas perguntas e, como não as encontrasse, cada vez mais se considerava no fundo de um poço sombrio. Num passeio pela beira-mar, porém, ficou surpreso com um sujeito na areia da praia que, sem nenhum dos braços, parecia ensaiar os requebros de uma dança inaudível. João, cuja sanidade física sempre fora impecável, foi ao encontro do sujeito para tentar desvendar a razão de tamanha felicidade.
– Ó, moço, diga-me o que lhe faz tão feliz, mesmo lhe faltando ambos os braços?  
– Feliz? Mas que feliz nada, moço! Eu só estou é querendo coçar o ás e não posso!
Três meses mais tarde, sem Calçado, mas com Sovela, sua nova cadela, João, em franca convalescença, resolveu pedir a veterinária em noivado.

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